Sentada em um café, ouvindo uma música que permanece imperdível há pelo menos meio século – meu muito querido Frank Sinatra – sob uma árvore de galhos que simulam um bailado, entrelaçados, em um romance que parece durar eras, eu saboreava meu café e refletia sobre o que permanecerá deste momento, em minha vida.
Curiosa essa virtude da permanência, que primeiro abraça o duradouro, e depois, corre atrás da eternidade. Ela tem o poder de evocar, depurar as coisas com o passar do tempo, de tal forma que só resta o consistente e o belo. Agora começou a tocar a voz rouca e adorável de Louis Armstrong, relembrando, como o faz desde sempre: “What a wonderful word!”, e eu percebo quão belas são essas antigas mesas e cadeiras espalhadas pelo jardim. Estou só, mas, de repente, sinto a presença de mais alguém. Sinto que se senta à mesa comigo o portador daquilo que tenho de mais profundo e verdadeiro: o Permanente. Ele me cumprimenta de forma gentil, puxa a cadeira e, com um olhar cheio de significados, dispara a sentença: “Eu tenho te sentido mais perto de mim ultimamente, minha querida!” Diante de meu olhar de perplexidade, ele continuou: “É verdade. Você tem caminhado, moça. O ano que passou não foi mais de inércia total. Pequenos passos foram ensaiados e realizados. Você avançou!”
Não pude deixar de me emocionar, com aquele tipo de emoção pouco ruidosa, mas que toca fundo o coração. Comecei a rememorar o que eu fiz neste último ano para merecer a observação do meu nobre convidado. Lembrei de momentos simples, mas cerimoniais, como nos dias em que uma brisa leve passou por dentro de mim e avivou a legítima beleza da simplicidade, que sempre está carregada de poesia.
Lembrei dos silêncios profundos, dos vazios suavemente luminosos, embalados apenas pelo som do meu coração. Recordei dos momentos em que repousei nos braços do Dharma, com absoluta confiança na vida e nenhuma necessidade de julgar nada nem ninguém; revivi a minha vontade enorme de esticar o meu amor para que ele alcance aquela dimensão em que o tempo não possa sequer arranhá-lo. E do meu ânimo de aprendiz, desperto mais uma vez, intenso mais uma vez, como menino que vislumbra a vida pela fresta da porta…
De repente, vi que o Permanente fitava docemente os meus olhos marejados. “E não é que aconteceu mesmo tudo isso? Foi real!”, diz ele. Meio sem saber o que dizer, aproveitei para fazer aquela pergunta que aguardava a sua vez na fila desde que me entendo como aprendiz: “Acha mesmo que eu chegarei até você algum dia, Permanente?”
Ao que ele me responde: “Com certeza chegará. Mas lembra: muito mais importante do que chegar algum dia é estar caminhando agora.”
Ele já se arrumava e puxava a cadeira para partir quando eu lhe disse: “Obrigada por me dizer tudo isso; não há nada que eu queira tanto quanto vê-lo mais vezes!”
Amável, ele responde: “É só me convidar que eu venho!” E, com um sorriso, se despediu e afastou-se. E eu fiquei ali, com a duração me intimando a dar seguimento a minha vida, e eu querendo resistir, não dar nem mais um passo sem levar comigo essa beleza incrível de um momento de contato com o Permanente, sabendo-o real, sentindo-o como, mais que necessário, suficiente para uma verdadeira vida.
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