Nutricionista mostra como é a vida de quem convive com intolerância alimentar e novas formas de cozinhar

A nutricionista Midori Nakamura desenvolveu uma farinha de Mari para substituir outras farinhas em caso de intolerância alimentar. Foto: Divulgação

MANAUS – | Para a maioria das pessoas, alguns alimentos resgatam memórias boas acompanhadas do aroma e sabor. Na língua inglesa, elas são chamadas de “comfort food”, que na tradução para o português, podemos dizer que é uma comida que conforta, abraça, que é afetiva. No entanto, o simples fato de comer o que se gosta pode se tornar um pesadelo se você possuir alguma intolerância alimentar ou alergia que mude sua vida do dia para a noite.
A nutricionista Midori Nakamura demorou 17 anos para conseguir fechar o diagnóstico de intolerância a derivados do leite, também conhecido como “alergia tardia” ao leite de vaca. E foi por causa dessa necessidade alimentar que ela mudou de vida para se tratar, ajudar os outros e a própria família, como a irmã, portadora de doença celíaca (intolerância ao glúten).

Midori Nakamura, que antes trabalhava como professora de inglês e nem imaginava que anos depois iria mudar de área, se especializando naquilo que virou sua paixão, chegou a sofrer por vários anos com dores e pensou em várias doenças – todas erradas.

É que, diferente da alergia ao leite e ao trigo (glúten), da sensibilidade não celíaca ao trigo e da doença celíaca, detectada por meio de exames como de sangue, endoscopia, entre outros, a intolerância ao leite é diagnosticada por meio da dieta de exclusão. Nela, você deixa de comer os alimentos considerados mais alérgenos para identificar o possível problema, o que pode dificultar se não souber a composição de toda comida que leva à boca.

Uma das alternativas para substituir o leite de vaca é investir em leites como o de coco, feito por Midori, a partir da ‘carne’ do coco. Foto: Divulgação

O pudim de chocolate tradicional também pode ser feito com leite de coco e ainda o inhame, o tornando mais saudável. Foto: Divulgação

E, à época, como lembrou a nutricionista, o acesso às informações na internet ainda era escasso, bem como médicos preparados para lidar com as doenças. Ela sofria com enxaquecas desde criança, falta de ar, dores abdominais, constipação, diarréia e muitas dores no corpo. Na fase adulta, suspeitou-se que sofria de reumatismo, mas o diagnóstico não foi fechado. Somente em 2004 que o “pesadelo” parecia – e chegou – ao fim.

“Tive bastante dificuldade para fechar um diagnóstico na época, inclusive por conta das dores no corpo, articulares, pensei em ter reumatismo ou artrite reumatóide. Fui ao reumatologista, não fechou diagnóstico e então fui a um médico ortomolecular”, explicou a nutricionista que, quando conseguiu enfim descobrir o que tinha, disse que o sentimento foi um misto de alívio com certo “luto”: “Como é que eu vou comer? Onde eu vou comer? Eu vou passar fome? Todo mundo passa por isso, é uma fase de negação. E de fato é difícil. Mas, depois que a gente aceita, a gente vê que essa situação traz inúmeros benefícios para a saúde mesmo. Eu não como nada industrializado, fast-food, minha alimentação é muito mais natural, saudável, então essas doenças crônicas, problemas de saúde pública, talvez nunca sejam um problema pra mim”, salientou a nutricionista.

Midori, além de possuir intolerância ao leite, tem na família a irmã, portadora de doença celíaca diagnosticada desde os primeiros dias de vida. “Quando a gente descobriu o problema, paramos de comprar trigo, inclusive pão. Nunca mais pão entrou na minha casa. E minha mãe era louca por pão francês, mas naquele tempo tivemos que aprender, há mais de 20, a substituir. Porque se a família toda não fizer a dieta junto com a pessoa, não vai funcionar. É difícil. E naquele momento decidimos, todos, fazer a dieta”, lembrou.

Mudança de carreira

Ela e a mãe, dispostas a oferecer uma alimentação com mais variedade e não tão restrita, começaram a cozinhar cada vez mais receitas com ingredientes diferentes e que as fizessem voltar a comer certos alimentos que também pudessem ser oferecidos à caçula. Com a mudança de carreira, da área de humanas para a de biológicas, Midori embarcou de vez nos alimentos para ter mais qualidade de vida. Farinhas refinadas, maisena, fécula de batata, farinha de arroz, entre outros, faziam parte de suas substituições nas receitas.

Mas a nutricionista queria mais e não se prendeu apenas à grade curricular da graduação e focou mais na saúde: “Queria aprofundar meus conhecimentos no assunto e desde o início, junto com a graduação, fiz cursos paralelos, de extensão. Fiz curso de nutrição funcional, nutrição para combater doenças autoimunes; estou fazendo uma pós-graduação em nutrição ortomolecular na FAAP de São Paulo, que era um sonho para mim e também estou terminando uma pós em fitoterapia”, enumerou.

A partir daí, a evolução na cozinha iniciou-se. Hoje, Midori usa farinhas integrais como de castanha de caju, do Brasil, de aveia e de amêndoas, na produção de bolos, pães, tortas etc. Para a gordura, sua preferida é o azeite, no lugar da manteiga ou óleo de coco. Para substituir o leite, no caso, em doces, ela usa suco de laranja ou até mesmo água, se a preparação realmente não fizer tanta diferença sem o mesmo. “A gente começa a ter consciência das coisas e até açúcar é possível substituir por tâmara, melado de cana, mel, por opções mais nutritivas”.

Além de possuir intolerância, a irmã de Midori tem doença celíaca e não pode consumir trigo. No entanto, a nutricionista consegue reproduzir até a torta “american pie”, receita do pai já falecido, feita sem glúten e sem leite, mas com valor afetivo. Foto: Divulgação

E o sabor? Ela garante que antes fez coisas que ficavam com o gosto bem ruim, bolos “solados” que viravam pedra depois de alguns minutos, mas com persistência, muito estudo, amor e dedicação, tudo deu certo. “Virou um processo tão natural que mesmo em festas de família, eventos de fim de ano, toda a comida que a gente leva é sempre uma comida dietética que atende a todos. E hoje em dia a gente faz comida tão gostosa, tão gostosa, que nesses eventos até quem pode comer de tudo acaba pedindo a receita, sabe?”, recorda ela, com satisfação.

Bolinhos de aveia sem glúten e sem derivados de leite. Foto: Divulgação

Pão francês feito sem farinha de trigo para quem possui doença celíaca. Foto: Divulgação

Esfiha também pode ter ingredientes substituídos. Foto: Divulgação

Maior conquista

E como falamos de comida afetiva no início desta matéria, a de Midori não podia faltar: um pastel de feira. Ela, que hoje em dia já conseguiu fazer macarrão, pizza, pão, lasanha, tudo que levaria naturalmente leite ou trigo, consegue adaptar tudo sem grandes dificuldades. Mas, sua maior conquista, é um pastel estilo “pastel de feira”: “Tem um apelo emocional. Quando a gente era pequena, íamos na feira da Aparecida e todos (mãe, pai e ela) comíamos juntos, mas a gente perdeu isso. Passamos mais de 27 anos sem comer pastel, até que fiz um curso, com uma chef do Rio Grande do Sul, que fazia pastel de feira. E foi a primeira vez na vida que a minha irmã provou um pastel. Pastel frito, com bolhinhas, inclusive”, comemora.

Pastel de estilo “pastel de feira” é uma das grandes conquistas de Midori, que conseguiu fazer a irmã experimentar a comida pela primeira vez. Foto: Divulgação.

Para quem sofre com algum tipo de restrição alimentar ou quer melhorar a alimentação, a nutricionista dá algumas dicas acessíveis. No caso de substituição de pão francês, um tubérculo como cará no café da manhã, macaxeira ou pupunha, fonte de caratenóide que sacia a fome e são baratos em relação ao pão francês sem glúten, por exemplo. Mas, se o caso for mesmo de restrição, uma das dicas principais é parar de comprar comida feita e começar a fazer em casa, se possível, para evitar contaminação cruzada por alimentos que você não pode comer.

“Investir em conhecimento é importante, procurar mais opções de receitas. Deixar de ir aos supermercados porque os alérgenos estão no supermercado e passar ir às feiras. Só aí tem uma economia no bolso e também um valor agregado à saúde”, ressaltou a nutricionista, citando ainda as feiras de alimentos orgânicos, também benéficas para a saúde, como às quintas-feiras, no Assinpa, ao lado do Inpa, Aleixo, e também no SOS Aldeia, no Canaã, aos sábados.

QUATRO DICAS PARA UMA ALIMENTAÇÃO MELHOR

1 – Optar sempre pelo natural e usar menos produtos industrializados. “Tem muito corante, conservante, gorduras trans, e normalmente quem tem uma alergia, tem mais de uma e ainda não sabe ou não desenvolveu”, citou Midori.
2 – Trocar alimentos embalados (industrializados) por alimentos que podemos apenas descascar (naturais). Exemplo: fruta no lugar de biscoito.
3 – Optar por feiras, orgânicas ou não, mas que possuem mais alimentos naturais.
4 – Usar mais azeite

Entenda a diferença

Na intolerância alimentar, o corpo tem dificuldade na digestão de determinado alimento ou nutriente. O principal nutriente que gera essa intolerância é o açúcar do leite, a lactose.

Já na alergia alimentar quem reage é o organismo, combatendo esse alimento como se fosse um agente agressor. Nele, é a proteína que gera o desconforto, como as proteínas do leite de vaca, ovo, soja, trigo, peixes e amendoim. As crianças, principalmente menores, são mais comuns de ter.

A doença celíaca é uma doença autoimune que causa intolerância permanente ao glúten, proteína presente no trigo, centeio e cevada. Esse ingrediente causa inflamação no intestino e a doença não tem cura, sendo necessária a exclusão total dos alimentos que contenham o glúten.

Vanessa Bayma
Vanessa Bayma
Jornalista manauara com experiência de mais de 10 anos em jornal impresso. Passou pelas redações de A Crítica e Manaus Hoje como repórter e editora. Fez parte da assessoria de comunicação da Alfândega da Receita Federal. Gosta de ouvir pessoas.

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