MANAUS – | O Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo, de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional. No ano de 2019, havia no país 755.274 pessoas privadas de liberdade, com índice de superlotação em 170,74%. No Amazonas, o número alcançava 12.069, com índice de 291,20 presos/internados a cada 100.000 habitantes. Apesar disso, o número de vagas no estado era de 3.511.
Com esses dados em mãos, o Ministério Público Federal (MPF) apresentou ação civil pública para obrigar a União e o Estado do Amazonas a implementarem o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, no prazo de 90 dias. A estrutura faz parte do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, criado a partir de protocolo internacional assinado pelo Brasil para combater a prática no país.
A ação foi apresentada na quinta-feira, 31, à Justiça Federal, 58 anos após o regime militar ter sido instituído no Brasil, em 1964. O golpe militar deu início a uma ditadura de 21 anos, marcada pela violação de liberdades individuais, da liberdade de expressão, de direitos políticos e civis. Também marcou o período a utilização, por agentes do Estado, de métodos de violência física e psicológica, e a prática da tortura foi uma das ferramentas mais utilizadas para repressão dos opositores do regime.
O MPF ressalta, na ação, que o mecanismo estadual deve ser implementado com a estrutura, os recursos orçamentários e o número de cargos necessários ao adequado funcionamento do órgão, com a realização de visitas periódicas – no mínimo, anuais – a todas as unidades prisionais e a todos os locais de custódia – como delegacias de polícia – do Amazonas. A ação do MPF inclui pedido de multa de R$ 100 mil para cada um dos réus – União e Estado do Amazonas – em caso de descumprimento.
O Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura foi instituído pela Lei n. 12.847/2013, com o “objetivo de fortalecer a prevenção e o combate à tortura, por meio da articulação de seus integrantes, dentre outras formas, permitindo as trocas de informações e o intercâmbio de boas práticas”.
O sistema nacional é formado pelo Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, com função principal de prevenir e combater a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. O Mecanismo Nacional possui atribuições relacionadas aos estabelecimentos prisionais e de custódia.
No Amazonas, o Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura foi criado em 2016, por meio do Decreto nº 37.178/16. A manutenção e o custeio do comitê estão sob responsabilidade da Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejusc).
Entretanto, o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura nunca foi implementado, sob o argumento de falta de recursos financeiros. Desde 2016, o MPF acompanha o caso por meio de procedimento administrativo, tendo recebido diversas informações do Estado do Amazonas sobre a impossibilidade de implantar o mecanismo estadual, em virtude da falta de recursos para contratar funcionários para a atividade.
De acordo com o MPF, a ausência de iniciativa do Estado do Amazonas para implementar o mecanismo estadual descumpre a legislação nacional e tratados de direitos humanos aos quais o Brasil aderiu.
“Observa-se que a ausência de política para tanto, bem como a alegação de falta de recursos e de pessoal, já vem desde antes da pandemia de covid-19. Destarte, muito embora o combate à doença deva ser uma prioridade do poder público, observa-se que este não é o principal motivo pelo qual, até a presente data, o MEPCT não foi implementado no Amazonas”, cita o órgão, na ação.
O MPF aponta ainda que a União também tem o dever de fomentar a criação e o aprimoramento dos sistemas estaduais de combate e prevenção à tortura, inclusive com base em recomendações e medidas indicadas por órgãos do sistema interamericano de direitos humanos e pelo Subcomitê da Organização das Nações Unidas (ONU) para Prevenção à Tortura. No caso do Amazonas, identifica-se a omissão federal, sem atuação efetiva para estabelecer o mecanismo amazonense de prevenção e combate à tortura durante todos esses anos.
A ação civil pública apresentada pelo MPF tramita na 3a Vara Federal, sob o n. 1006388-65.2022.4.01.3200.