Medicamento de proteção contra o HIV só está acessível em dois centros de saúde, em Manaus

A Profilaxia Pré-exposição ao HIV (PrEP) é distribuída gratuitamente pelo SUS. Foto: Divulgação

Vanessa Bayma

vanessabayma@canaltres.com.br

MANAUS – AM | Oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2017, o medicamento de Profilaxia Pré-exposição ao HIV (PrEP) só está acessível em dois centros de saúde de Manaus e em um único município do interior do Amazonas, em Tabatinga (a cerca de 1.106 quilômetros da capital), onde foi introduzido este ano.

A estratégia de prevenção, que há mais de 10 anos é administrada em países desenvolvidos, somente esse ano foi amplamente divulgada à população, através do projeto “Bora Combinar”, do Instituto de Pesquisa Clínica Carlos Borborema (IPCCB), da Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD). Apesar da sua importância, a PrEP ainda enfrenta barreiras, como o preconceito, a falta de informação correta e acesso aos grupos indicados.

A Profilaxia Pré-exposição é um medicamento gratuito, eficaz e que oferece grau de proteção contra o HIV superior a 90%, quando tomado regularmente. De acordo com o Ministério da Saúde (MS), é indicada apenas para quem não possui o vírus. O paciente, segundo o MS, deve tomar um comprimido todo dia e continuar com as outras formas de prevenção disponíveis, tais como camisinha e testagem, por exemplo.

Há grupos vulneráveis com maior indicação de uso do medicamento: homens que fazem sexo com homens, bissexuais, população transgênero, profissionais do sexo e casais sorodiferentes (quando uma pessoa vive com HIV e a outra não).

De janeiro a 8 de novembro, foram liberados cerca de 6.953 mil frascos de PrEP, segundo informações da Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (SES-AM). Deste número, 6.453 mil frascos para a capital e 500 frascos para o interior (Tabatinga). Em Manaus, o medicamento antiviral é oferecido na FMT, no bairro Dom Pedro, e na Clínica da Família Franco de Sá, no Nova Esperança, ambos na Zona Oeste da cidade. As Zonas Norte e Leste, as mais populosas, ainda estão desassistidas.

O advogado Luís Guilherme Honorato, de 27 anos, faz uso da profilaxia desde outubro de 2018, quando soube da PrEP em Manaus. Ele faz parte do público-alvo, pelo fato de se relacionar com outros homens, e acredita que, por fazer parte de uma classe social mais privilegiada, teve acesso mais rapidamente às informações sobre o medicamento.

“Dom Pedro é um bairro considerado classe média. A gente não considera que pode ser complicado para um menino lá do Jorge Teixeira, por exemplo, ter que se deslocar até o Dom Pedro para ter acesso a esse medicamento. Esse menino talvez não tenha condições financeiras de atravessar a cidade, de fazer uso desse medicamento, que seria tão importante para ele. O ideal seria que estivesse descentralizado na cidade inteira, em cada posto de saúde”, pontuou o advogado.

Outro fator importante é o preconceito ou ignorância em torno do assunto.

“Vejo que quem conhece o medicamento faz parte de uma mesma bolha, às vezes até da mesma classe social. Mas eu me relaciono com homens de outras esferas sociais, e a grande parte não faz uso da PrEP. Quando sabe o que é, há um estigma negativo. Pensam que quem faz uso do medicamento é promíscuo, que só se interessa por sexo sem preservativo e isso não é verdade. Precisa ser combatido”.

Luís Guilherme

Bora Combinar

No dia 12 de julho deste ano, com o slogan “Bora Combinar”, o Instituto de Pesquisa Clínica Carlos Borborema lançou uma campanha para disseminar o conhecimento sobre PrEP, em Manaus. O projeto foi financiado pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Dentre outras atividades, ofereceu capacitação para os profissionais da área, em parceria com a escola de saúde da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e com a Prefeitura de Manaus. O objetivo foi instruir os profissionais da rede pública, principalmente de Unidades Básicas de Saúde (UBS), para darem as informações corretas aos usuários.

A população de Manaus também pôde conhecer mais sobre a PrEP com os diversos materiais educativos veiculados pela campanha, por meio de outdoor, impressos, cartazes, banners, e pelo site www.prepmanaus.com.br e posts publicados no perfil do Instagram do IPCCB (@ipccb).

O Instituto de Pesquisa Clínica Carlos Borborema realiza capacitações sobre o tema, como a que ocorreu no mês de agosto. Foto: Divulgação/IPCC

Também foi elaborado um manual com 20 páginas, disponível online, explicando não só sobre a profilaxia, mas também sobre a prevenção combinada, uso de preservativo, gravidez e um “tira-dúvidas” com diversas perguntas e respostas. Recentemente, foi realizado o minidocumentário “PrEP – Bora combinar”, com relatos de quem usa, desmistificando o tema.

ImPrEP

O professor e ativista LGBT Gabriel Mota, do Instituto Carlos Borborema, fez parte do grupo dos 26 educadores comunitários que participaram do projeto ImPrEP, fase de estudos de implementação do medicamento. O projeto foi realizado no Brasil, Peru e México. “Os estudos mostraram que a PrEP é eficaz para novos casos de infecção. Isso foi bom, porque muitos médicos não acreditavam no produto. Existe muito preconceito institucional”, apontou o educador.

Na opinião de Gabriel, o problema chega a ser estrutural. O ideal, diz ele, era que houvesse a orientação sobre a PrEP em todas as UBSs.

“Grande parte da população de Manaus não conhece a PrEP e o serviço de saúde é conservador: prega apenas testagem e camisinha. Manaus é uma cidade conservadora, então, vemos muita dificuldade nos próprios conselhos municipais e estaduais. Isso se reflete nas unidades de saúde, nos profissionais e a informação morre antes mesmo de chegar ao usuário. Isso, sem falar da falta de vontade política, porque não somos tratados como prioridade”.

Gabriel Mota

A equipe de de educação comunitária esteve presente em Tabatinga, o primeiro município do Amazonas a ter PrEP. Foto: Instagram/Divulgação

Mais PrEP

De acordo com a coordenadora estadual de IST/Aids da SES-AM, Vanessa Homobomo, a expectativa é de expansão do medicamento no interior do estado. “Estamos no processo de descentralização e a coordenação vem realizando o planejamento para implantar nos polos regionais e depois expandir para os demais municípios, com previsão para Parintins e Coari em 2022”, revelou a coordenadora.

Tanto o estado quanto o município realizam distribuição de preservativos e testagem durante o ano todo. Nos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTAs) do estado o usuário pode realizar o teste, receber orientações quanto à profilaxia, pré e pós exposição, e pegar preservativos.

Ainda de acordo com a coordenadora, a procura pela PrEP tem aumentado, principalmente após publicação da Nota Informativa Nº 11/2021-CGAHV/.DCCI/SVS/MS, que autoriza sua prescrição no serviço suplementar de saúde (por profissional habilitado). No entanto, é preciso ressaltar que a prescrição é permitida no serviço privado, mas a dispensação só pode ocorrer nas unidades públicas habilitadas, até o momento, na FMT e Clínica da Família Franco de Sá.

A Secretaria Municipal de Saúde (Semsa) informou que a expectativa é também de ampliar a profilaxia para as UBSs de todos os bairros de Manaus. Atualmente, em 143 unidades é possível realizar o teste rápido para detecção de HIV ou pegar gratuitamente preservativos. Em caso de procura pela PrEP, os encaminhamentos são feitos para os dois únicos locais que fazem o atendimento.

Nas unidades da Semsa são realizados testes rápidos de HIV, sífilis e hepatites B e C, que dão o resultado em 30 minutos. Também é feito o atendimento e acompanhamento das pessoas com diagnóstico positivo para HIV, nos quatro Serviços Municipais de Assistência Especializada (SAEs), que funcionam nas Policlínicas Comte Telles (Zona Leste); José Antônio da Silva (Zona Norte); Clínica da Família Antônio Reis, (Zona Sul); e Clínica da Família Franco de Sá (Zona Oeste).

Tanto na FMT quanto na Clínica Franco de Sá, todos os usuários da profilaxia são acompanhados por médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, assistentes sociais, psicólogos e farmacêuticos, que foram capacitados para realizar o atendimento. Além disso, realizam exames regularmente e fazem a prevenção combinada. Na prevenção combinada é feita a testagem, o uso de preservativo e da PrEP, além da imunização das hepatites virais.

Casos de HIV em adultos

No período de janeiro a julho de 2020, foram notificados 605 novos casos de HIV em adultos em todo o Amazonas. O sexo masculino é o mais acometido pelo HIV, e a faixa etária mais atingida é de 20 a 29 anos de idade, justamente o público-alvo das campanhas de conscientização. Em 2019, foram 1.576 novos casos notificados. Os números desse ano ainda não foram finalizados pela SES.

Vanessa Bayma
Vanessa Bayma
Jornalista manauara com experiência de mais de 10 anos em jornal impresso. Passou pelas redações de A Crítica e Manaus Hoje como repórter e editora. Fez parte da assessoria de comunicação da Alfândega da Receita Federal. Gosta de ouvir pessoas.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui