“Ele é um pedaço importante da alma do povo amazonense. Sinto muito orgulho de poder ter vivido no mesmo tempo que esse grande artista, e espero que o legado dele jamais seja esquecido”.
Karine Aguiar, cantora e pesquisadora
“Deve-se reconhecer que a música de beiradão popularizada por Teixeira era, antes de tudo, uma expressão da expansão mercadológica da música urbana, mais do que uma música com traços ‘rural-funcionais’ permanentes”
Bernardo Mesquita, professor e pesquisador
O saxofonista amazonense Rudeimar Soares Teixeira, mais conhecido como Teixeira de Manaus, faleceu na manhã desta quinta-feira (18) devido a um tumor na hipófise. Referência da identidade amazonense, Teixeira influenciou centenas de artistas e fincou seu nome na formação da música de beiradão na Amazônia.
No livro Das Beiradas ao Beiradão – A Música dos Trabalhadores Migrantes do Amazonas, o professor e pesquisador Bernardo Mesquita destaca um capítulo especial ao artista. Para ele, a produção discográfica de Teixeira de Manaus nos anos 80 é considerada, atualmente, um símbolo representativo da identidade amazonense. “Deve-se reconhecer que a música de beiradão popularizada por Teixeira era, antes de tudo, uma expressão da expansão mercadológica da música urbana, mais do que uma música com traços ‘rural-funcionais’ permanentes”, explica.
Bernardo lamenta não o ter conhecido pessoalmente, mas ainda coleciona diversos discos de vinil, reportagens e fotografias daquela época. “Quando estava colhendo os dados para o livro, tentei entrar em contato, mas ele já estava recluso, eu o entrevistei através da Darle, enviei umas perguntas a ela, que repassou a ele e me deu a resposta”, lembra.
Quem também bebeu na fonte desse novo estilo musical e mergulhou a fundo na obra do Mestre Teixeira, foi o saxofonista Elizeu da Silva Costa, com a tese “Yo Cantare: Uma Análise nas Técnicas de Interpretação Executadas pelo Saxofonista Amazonense Teixeira de Manaus”.
Na justificativa do projeto, Elizeu relata o exato dia, em meados de 2015, em que, durante o ensaio de uma banda de repertório festivo, as canções de carimbó e lambada foram sugeridas. “Estávamos ensaiando ritmos como o carimbó e a lambada, e o maestro Rosivaldo Cordeiro apresentou uma música regional dizendo ‘vamos ensaiar uma música de beiradão’. Começamos a tocar, então o maestro, no seu papel de conduzir, interrompeu e se dirigiu a mim para corrigir as notas em staccato, sempre colocando uma apogiattura em determinadas notas e deixando as notas mais ‘secas’. Era assim que ele (Teixeira) tocava o beiradão”, lembra.
A peça ensaiada naquele momento foi Yo Cantare, música instrumental com solos de saxofone e pequenos refrãos cantados, de Teixeira de Manaus. “Naquele momento, Rosivaldo Cordeiro buscava em mim uma execução que obedecesse à do autor, no intuito de fazer com que aquela música não perdesse os elementos sonoros característicos do seu compositor. A partir dali nasceram várias reflexões sobre este estilo de música. Seria esse tipo de técnica uma característica do sax na música de beiradão?”, questiona.
Elizeu fez uma análise das composições e da interpretação de quatro peças musicais do artista: Lambada pra Dançar, do primeiro álbum, Solista de Sax; Desmontando o Sax, do álbum Solista de Sax; Deixa o Meu Sax Entrar, do segundo álbum, Solista de Sax Vol. Yo Cantare, do seu sétimo álbum, Na Ginga da Cumbia Salsa e Merengue; e a segunda versão de Lambada pra Dançar, que está no álbum Teixeira de Manaus.
“Neste projeto, o foco foi analisar a forma como eram criadas e interpretadas as músicas, investigando a harmonia, fraseologia, contraponto, acentuação e ornamentos, dando um passo para, talvez, obter respostas para as demais perguntas”, acrescenta Elizeu.
Desmontando o Sax
No estilo scat singing (vocal instrumental), a cantora e pesquisadora Karine Aguiar homenageou Teixeira de Manaus na edição de 2022 do Amazonas Green Jazz. Com saudade no coração, ela lembra da sua infância tendo Teixeira como membro de sua família. Ela conta que teve uma tia casada com um sobrinho dele e, mesmo à distância, o teve como ‘parente’, fazendo parte de um imaginário especial na formação de sua carreira.
Karine valoriza o legado de poucos artistas que conseguiram traduzir a história mais em sons do que palavras. “Quando tinham eram uma frase ou duas no máximo, mas ele conseguiu traduzir a cor do nosso povo em melodia, a alegria da nossa cultura com um instrumento. Pra mim, ele é um pedaço importante da alma do povo amazonense. Sinto muito orgulho de poder ter vivido no mesmo tempo que esse grande artista, e espero que o legado dele jamais seja esquecido. A gente perde o ser humano, o corpo material, mas a eternidade ganha uma lenda”, lamenta.
Teixeira de Manaus por Bernardo Mesquita
A Costa do Catalão é uma comunidade ribeirinha localizada no município de Iranduba, na confluência dos rios Negro e Solimões. Foi nessa região de várzea, caracterizada pelo complexo de lagos interconectados, que em 1944 nasceu Teixeira de Manaus, nome artístico de Rudeimar Soares Teixeira. Pertencente a uma família de 12 irmãos, seu pai, Raimundo Azevedo Teixeira, conhecido como “Seu Teixeira”, e sua mãe, Theodózia Soares Teixeira, a “Dona Doca”, eram agricultores.
Desde tenra idade, Teixeira teve que trabalhar para ajudar a pagar seus estudos, engraxando sapatos e como auxiliar escolar. Teixeira de Manaus era um dos filhos mais novos e foi enviado a Manaus, aos 9 anos de idade, para estudar, em 1953, no “Colégio Progresso”, de Júlia Barjona de Labre.
Mesmo a contragosto, Teixeira não pôde resistir à tendência histórica da migração na região e muito menos à vontade de seus pais. Atribuiu o desejo pela música porque seu pai tocava piston na banda do colégio, o que o influenciou a ter interesse pela música e pelo saxofone, instrumento que aprendeu sozinho.
Integrou, nos anos 60, conjuntos musicais como “Pedroca e seu Novo Conjunto Baré, Show 6, Máximo Pereira e seu conjunto, Os Pilantrões, Domingos Lima e seu Conjunto, Blue Stones, dentre outros. Nos grupos musicais, ele era conhecido como “Teixeirinha”.
Na década de 70, Teixeira de Manaus criou seu próprio grupo musical com o nome de RT4, Rudeimar Teixeira e quatro componentes. Em 1975, foi batizado carinhosamente de “Maestro Teixeira” e passou a atuar constantemente nas boates noturnas de Manaus e no extinto Parquinho 2.000.
Trecho e foto extraídos do livro “Das Beiradas ao Beiradão – A Música dos Trabalhadores Migrantes do Amazonas”