Por Raphael Lafetá*
A construção civil foi historicamente o destino que o mercado de trabalho reservava a boa parte da população de baixa escolaridade – especialmente homens na fase adulta, residentes de áreas urbanas. A necessidade de mão de obra física/braçal em grande contingente, e a natureza artesanal de muitos processos construtivos sempre asseguraram a absorção de fatia expressiva desse perfil de força de trabalho. Portanto, trata-se de uma enorme ‘porta de entrada’ a quem tem pouco estudo e precisa trabalhar, correto?
Não mais! Hoje em dia, raramente um operário passa pela construção civil sem ter uma oportunidade de elevar o nível de aprendizado e/ou qualificação. A maior prova é que apenas 0,59% dos profissionais formais atuantes no setor se declaram analfabetos – conforme consta na Relação Anual de Informações Sociais (Rais 2021), dado oficial mais recente. Esse número é 34% menor do que o verificado na Rais 2015 (0,71%); 66% do que o registrado na Rais 2001 (2,44%) e 89% do que o registrado na Rais 1988 (5,3%).
Mérito das políticas públicas, que de fato promoveram uma redução geral da taxa de analfabetismo do país, nas últimas décadas. Mas não se pode ignorar o enorme esforço por parte das empresas, que trouxeram para si esta responsabilidade e, com o apoio de sindicatos e de entidades da sociedade civil organizada, tiraram o setor do topo da lista das atividades com maior número de mão de obra analfabeta.
Atualmente, segundo a Rais, a construção civil é a quinta desse ranking em números absolutos. Na frente estão os setores de serviços (61 mil trabalhadores analfabetos), indústria (44 mil), agropecuária (32 mil) e comércio (16 mil). Exceto a agropecuária, todos seguem uma trajetória totalmente distinta, com números que denotam estabilidade e até mesmo aumento do contingente de analfabetos a partir de 2015. Isso reforça mais uma vez o comprometimento do setor com a causa.
Contudo, ainda não é o momento para comemorar. Apesar dos incontestáveis avanços, existe um universo bastante significativo, de mais de 13 mil trabalhadores da construção que merecem atenção especial para finalmente equacionarmos essa triste realidade.
Da parte das empresas, nota-se um contínuo interesse em de fato avançar nesse caminho. O fortalecimento da agenda ESG; o processo acelerado de inovação tecnológica e, sobretudo, de automação que vive o setor, impulsionam a condução desses passos, pois tornam a alfabetização ainda mais essencial, seja para compreensão de manuais, avisos, assim como de normas técnicas que evitam acidentes.
Metas ambiciosas, alinhadas aos ODSs da ONU, têm sido assumidas pelas principais companhias do setor – que por sua vez servem de referência e encorajam as demais a fazerem o mesmo.
A MRV&CO, por exemplo, anunciou a meta de zerar o número de trabalhadores não alfabetizados em seus canteiros de obras. O desafio abrange cerca de 700 funcionários ainda sem nenhum grau de instrução, a serem convencidos da importância de saber ler e escrever. Para tanto, a empresa conta com o projeto Escola Nota 10, que visa alfabetizar e qualificar esses colaboradores nos canteiros de obras durante o horário de trabalho. Só em 2022 a companhia criou 34 escolas próprias. E, ao longo de mais de 10 anos do projeto 4.800 trabalhadores da companhia já foram alfabetizados – colecionando histórias de superação e de sucesso, seja pessoal, seja profissional.
Uma mostra do quanto o setor tem levado a sério essa questão e, mais importante, conquistado resultados altamente transformadores – que não merecem passar desapercebidos. A propósito, celebramos este mês o Dia Internacional da Educação, que tem por objetivo justamente papel reforçar a importância do ensino no desenvolvimento da humanidade. A alfabetização, sem dúvida, é o passo primordial. Cabe a nós, portanto, enaltecer os bons exemplos que temos para que sirvam de inspiração a todos.
*Raphael Lafetá é diretor de relações institucionais e sustentabilidade do Grupo MRV&CO, que inclui as empresas MRV, Luggo, Urba, Sensia e Resia.