Amazonino, para mim

Por: Angela Bulbol

Certamente, no futuro, quando passar com meus netos numa avenida imensa, num colossal viaduto dessa cidade e cujo nome será o seu… vou sempre lembrar dos momentos que compartilhei da sua liderança e os ensinamentos que tive a honra de receber.

Vão estar comigo o orgulho, a saudade e a emoção. E somente eu vou entender, pertencerão a mim a sensação de que o conheci de verdade.

Ouvi atenta seus longos e provocadores discursos. Vi a emoção sincera, de dias difíceis, de sonhos de revolução, de companheiros queridos, dos filhos pequenos e de um amor que respeitou para sempre.

Vou lembrar que me permitiu conhecer seus autores preferidos, sua poesia e sensibilidade, seu gosto refinado e, ao mesmo tempo, sua extrema simplicidade.

Presenciei, sem saber o que fazer naquelas horas, seus momentos de autorreflexão e crítica, sua teimosia e voz grave, a ternura de sua inteligência, quando, professoral, mostrava sua astúcia, sua educação e cavalheirismo sem limites, as controvérsias de sua personalidade e vida e seu exigente gosto musical.

Não me esquecerei que vi olhos desiludidos e decepcionados com aquilo que mais somou à sua vida, a política. Às vezes, desconfiei que era indiferente a quase tudo… mas isso, não saberei de verdade.

Distante de uma unanimidade que nunca buscou e do alto de sua obra e legado, conheci um político maduro e seguro das suas convicções, isso sempre, custasse o que custasse, determinado a pagar o preço no final.

Pensando bem, não conheci o homem político, nem fiz conta nem questão. Convivi, sim, com um ser humano espetacular, generoso, que poucos conhecerão na verdade de seus princípios, visão de mundo, talvez arrependimentos e grandeza. Pois, num determinado tempo, lhe faltaram paciência e vontade de se mostrar, real e humano, isso ficou para poucos.

E eu vi de perto que, do carisma cantado e decantado, desconfiou sempre. Suas risadas eram desconcertantes, quando lembrávamos do homem apaixonante, dos corações destruídos pelo caminho. Só fazia memória do povo, a quem era de todo devedor e víamos uma sinceridade comovente nessas horas de reconhecimento e gratidão.

Esnobou, por crença e convicção, o ideário da política dos novos tempos, sem graça e conteúdo, midiática, pragmática, construída, seguindo e segundo resultados e indicadores de opinião. Não as quis comprar, não as quis forjar, não foi oldfashion way. Muito pelo contrário, estava à frente do seu tempo. Decidiu simplesmente que não se curvaria, na maturidade e experiência, para retocar sua imagem e pronúncia, dizendo ou fazendo o que esperavam dele. Mandou às favas, disse o que não se diz, fez ao reverso e só o futuro julgará, sem as paixões daqueles que o amam ou odeiam…porém, que sejam justos, especiais como ele, cuja história, obra e legado se iguale ou supere a dele!

Seu repertório e simpatia foram só seus, e não tinha mais conversa!

Passei um bom tempo desse meu projeto, ideia de contar sentimentos, expectativas, decepções, glórias, refletindo se valeria a pena dividir essas memórias preciosas, tão pessoais do tempo que desfrutei do convívio de AM. Isso, por certo, me custaria a dor da exposição, do julgamento, das críticas daqueles que, diferente de mim, só viram o personagem, ou um pedaço dele, ou só viram o que queriam ver, ou só viram o que ele quis mostrar. Na dúvida, tem que sobrar coragem de contar a verdade. E eu tive. Vou imitá-lo dessa vez, vou dar de ombros para opinião alheia!

E assim foi, verdadeiro, leal, mutuamente respeitoso, os incontáveis dias que vi o mito, construído, desconstruído e reconstruído, pensador e às vezes distante, ao mesmo tempo prático e afetuoso, amigo de gente muito simples, preocupado com sua família, admirador eterno de sua esposa, cativante, inspirador chefe.

A ele devo muito, muitíssimo. Grande parte da minha exitosa trajetória devo ao seu apoio irrestrito e à sua sabedoria, especialmente essa, minha admiração e lealdade eternas.

Se não tivesse guardado tantas imagens, palavras e lições de verdades do nosso convívio, tão presentes na minha mente e sentimento, desconcertada perguntaria: Onde será que está? Onde terá guardado, o que fez com elas? O orgulho? A vaidade? As lembranças, a onipresença de outrora? Do poder, dias e passagens memoráveis? Não vi sinais evidentes que de fato ainda estavam ali. Sabia que estiveram, afinal, eu conheci o mito, vi muitos troféus, um busto de bronze, placas e medalhas, aqui e acolá, mençōes e honrarias… Mas os sinais da importância que tiveram, não os encontrei mais. Para ele, acho que era só isso…alguns objetos pela casa.

Preciso dizer que reencontrei os chapéus, estavam todos por lá, sinal de quem andou sol a sol, barro nos sapatos, o povo no mesmo caminho… Usando os chapéus, sem querer fez sua marca. Acho que ele queria só um pouco de proteção na sua pele, parecida mesmo com a daquela gente que sempre esteve com ele. Quando o conheci, já não o vi assim tão “negão”, não sei se isso consigo explicar muito bem…

É o povo que contará melhor sua história.

Verdade, verdade, no lugar mais importante agora, achei sossego, um belíssimo rio e uma obra imensa e nenhuma saudade confessada.

Foi isso. Ao entardecer, eu encontrei um rio ou o encontro de todas essas águas… E, certamente, foi o melhor pra mim.

Angela Bulbol é Doutora em Ciências da Informação e Marketing pela Universidade Fernando Pessoa – UFP (Porto, Portugal, 2017); presidente da Fundação Escola do Serviço Público – Fespm (2009-2012); secretária de Administração e Gestão do Amazonas (2017-2018); administradora de Empresas pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM (1982); especialista em Compliance pelo INSPER (2019), em Criatividade e Inovação pela Fundação Armando Alves Penteado – FAAP (2013) e em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas – FGV (2001); mestre em Desenvolvimento Regional pela UFAM (2005). Professora da UFAM.

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