A cozinha que une a Nigéria ao Brasil

Por Ana Cláudia Leocádio Gioia

A vida na Nigéria conseguiu, definitivamente, me conectar ainda mais com o Brasil, tamanha a influência que o país da Costa Oeste da África exerceu do outro lado do Oceano Atlântico, sobretudo na cultura gastronômica e religiosa brasileira. É o berço do nosso aclamado acarajé e fonte do Candomblé, nascido na Bahia.

Pela mesa nigeriana consegui entender um pouco melhor o intercâmbio de alimentos entre os dois países, que ocorreu durante o vergonhoso período do comércio de pessoas escravizadas, a partir do século XVII. Enquanto eles trouxeram para solo brasileiro o azeite de dendê e o inhame, no sentido inverso fornecemos para a África a mandioca, largamente consumida hoje naquele continente, e o milho, originário das Américas.

A Nigéria é atualmente o país mais populoso da África, com cerca de 220 milhões de habitantes, segundo estimativas recentes. Dos mais de 250 grupos étnicos lá presentes, três são preponderantes: os Iorubás (que creem nos orixás, a Oeste), os Igbos (cristãos anglicanos, ao Sudeste e Sul) e os Hauçás (mulçumanos, ao Norte).

O inhame, junto com o dendê, foi trazido para o Brasil durante o período da Escravidão. Foto: Reprodução

A atual capital do país é Abuja, no centro da região. Inaugurada na década de 1990 em substituição a Lagos, a cidade mais populosa localizada no litoral, dizem até mesmo que sofreu influência de Brasília, pelo projeto arquitetônico arrojado, largas avenidas centrais e presença do lago Jabi.

Três pratos me chamaram bastante atenção na chegada a “Naija” (como é conhecida localmente a Nigéria), por remeter diretamente às delícias de Salvador, a Roma Negra, como diz Caetano Veloso na música “Reconvexo”. São eles: o “akara”, a “okro soup” e o “moin moin”, bastante populares e que inspiraram seus similares no Brasil, o acarajé, o caruru e o abará.

A história do acarajé é interessante, segundo nos explicou a embaixatriz Uki Garrick (esposa do ex-embaixador da Nigéria no Brasil), em evento intercultural promovido na residência da Embaixada brasileira em Abuja, de que participou, em 2017, a convite da esposa do embaixador João André Lima, Elza Maria Lima.

Na cozinha nigeriana, o “akara” é um bolinho de feijão fradinho frito em óleo, servido geralmente no café da manhã, quente e sem nenhum recheio. Garrik explicou, a respeito, que, no Brasil, o nome da iguaria é oriundo de expressão da língua iorubá, etnia de onde foram levados milhares de cativos. Na língua iorubana, “àkàrà” significa bola de fogo e “je” denota o verbo comer. Então, reforçou ela, as pessoas falavam “akaraje” (comer akara) na língua nativa, referindo-se ao bolinho e à intenção de comê-lo, mas se compreendia como uma palavra só, transformando-se, ao longo do tempo, em acarajé.

Na Nigéria, o akara é servido sem recheio, mas a massa é temperada com cebola e pimenta; no Brasil, virou o acarajé. Foto: Reprodução

A introdução dos recheios como vatapá, camarão e caruru é criação tipicamente brasileira, assim como a fritura exclusiva em azeite de dendê. Este óleo, aliás, é outra grande contribuição da cultura africana aos brasileiros e ingrediente obrigatório em ensopados ou sopas nigerianas. Foram eles que trouxeram as mudas plantadas inicialmente na Bahia.

Já a “okro soup” (sopa de quiabo) é prato irmão do caruru baiano, com a diferença de que os nigerianos também acrescentam, ao preparo, peixe seco, camarão ou outra proteína. O legume também foi trazido na bagagem dos africanos e hoje faz parte da nossa cultura gastronômica.

“Okro” é quiabo e esta sopa é tradicional na Nigéria, onde se acrescenta carnes, camarões ou peixe seco, e é servida com uma bola de “fufu”, principal acompanhamento do país. Foto: Reprodução

Mas o meu favorito nos restaurantes de comida local era o “moin moin” (ou moi moin), igualmente irmão do abará da Bahia. A iguaria é preparada a partir do purê do feijão fradinho sem casca, batido com pimentões, pimenta e cebola, cozido no banho-maria e servido em folhas de bananeira. O toque picante da pimenta, para mim, é o que o deixa mais gostoso. Os veganos iriam adorar, muito embora as versões mais comuns, na Nigéria, levem recheios com peixe ou ovo cozido.

O moin moin é irmão do abará baiano, feito de feijão fradinho, pimenta e cebola, e pode ser recheado com peixe ou ovo cozido. Foto: Reprodução

O acompanhamento mais comum na culinária nigeriana é o “fufu”, que consiste num tipo de pão mole à base de farinha de mandioca, inhame ou de milho. É misturado com água, levado ao fogo e cozido até atingir uma massa densa, que depois será formatada em forma de bolas para acompanhar o prato principal, devendo ser comido com as mãos. Há também uma versão feita à base do inhame batido e cozido.

A cultura do “fufu” da África Ocidental foi minha salvação, em Abuja, na hora de garantir a nossa farofa de cada dia. A farinha de mandioca é chamada de “gari”, muito mais ácida do que a brasileira. Prepara-se como se fosse um pirão mais encorpado, e é servido como pequenas esferas.

A presença das pimentas é marcante na maioria das comidas nigerianas que conhecemos, mas nossos amigos nos diziam que estes eram originários da cultura Iorubá. A “suya” é um típico churrasco de carne no espeto, temperado com uma massa de amendoim, pimenta caiena entre outros ingredientes, que me levou às lágrimas na primeira vez que degustei. Em Abuja, há, inclusive, um restaurante tradicional somente de peixes, no “Mogadishu Barracks”, onde os fracos para pimenta não devem nem chegar perto.

Por questões de segurança, não conseguimos viajar pela Nigéria, o que nos impediu de conhecer a culinária do Norte, por exemplo, majoritariamente muçulmana, e do Sudeste, de maioria cristã. Apesar disso, foi possível aprender bastante sobre ingredientes e pratos que temos no Brasil e que servem para reafirmar ainda mais a nossa grande ligação com o povo africano e a sua rica cultura.

Ana Cláudia Leocádio Gioia
Ana Cláudia Leocádio Gioia
Graduada em Cozinha pelo Institut Le Cordon Bleu de Paris, em Gastronomia pelo Iesb-Brasília. Especialista em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e graduada em Jornalismo pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

1 COMENTÁRIO

  1. Parabens vc descreve com muita propriedade as iguarias tornando _ as nossas velhas conhecidas do Brasil só falta degustar para ser mais real

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