Ana Cláudia Leocádio Gioia
Sempre que ouvia a famosa frase “Vai pra Cuba”, não imaginava a explosão de sensações que teria ao conhecer a terra da salsa e do merengue, da revolução socialista e de uma cozinha deliciosa. O mais interessante foi saber como uma novela brasileira deu impulso a negócios gastronômicos que, hoje, ajudam muitas famílias a sobreviver diante das dificuldades financeiras e sociais por que passa o país caribenho.
Foi somente uma semana de visita a Cuba, a ilha da Juventude, localizada num ponto estratégico, onde se encontram o mar do Caribe, o Golfo do México e o Oceano Atlântico. Mas foi possível conhecer um pouco da capital, Havana, e de Varadero, a península turística mais famosa do país, em que os resorts com tudo incluso reinam soberanos.
Para quem não lembra, Cuba passou por uma revolução política, em 1959, liderada por Fidel Castro e Che Guevara, heróis nacionais que fundaram a República Socialista, com apoio da então União Soviética (URSS). Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, e a consequente dissolução da URSS nos anos seguintes, Cuba enfrentou graves problemas econômicos, a partir da década de 1990, devido à falta de suporte financeiro do seu principal aliado. Diante disso, dentre outras medidas, o governo cubano resolveu autorizar famílias a abrirem pequenos negócios de venda de comida em suas próprias casas, com, no máximo, 12 lugares.
Era o início dos anos 90, e a novela “Vale Tudo”, da Rede Globo, estava sendo exibida no país caribenho, mostrando as maldades da personagem Maria de Fátima (Glória Pires) contra a mãe, Raquel Acioli (Regina Duarte), que, depois de passar por muitas dificuldades causadas pela filha, reergueu-se na vida ao abrir um pequeno restaurante na própria casa, chamado de “Paladar”. Foi a senha para que os cubanos batizassem o novo empreendimento gastronômico de “Paladares”, que perdura até hoje, e é um verdadeiro êxito entre os locais e, em especial, os turistas.
Atualmente, houve diversas mudanças e os “Paladares” fazem bastante sucesso, já recebendo do governo até mesmo autorização para serem ampliados para além das 12 cadeiras e três mesas. Com cardápios bem elaborados, mas sem perder a essência da boa cozinha cubana, que traz os ingredientes da terra e do mar à mesa dos clientes, os estabelecimentos já receberam reis, rainhas e chefes de Estado.
Um dos pratos mais famosos do país é o “ropa vieja” (roupa velha), que consiste em uma carne de panela desfiada com um molho bem saboroso, acompanhada, geralmente, do “arroz moro” (o baião de dois, com feijão vermelho ou preto). Ingrediente obrigatório também nos pratos de Cuba são os plátanos, no Brasil conhecidos como banana da terra e, para nós amazonenses, banana comprida ou pacovã. Lá, fazem os “tostones e chatinos” (fritos e achatados, depois refritos) com o fruto verde ou maduro.
Há muitas opções servidas à base de porco, seja assado, cozido de panela ou grelhado. O que não pode faltar na degustação de uma viagem a Cuba, no entanto, é o famoso sanduíche cubano, elaborado com lascas de porco assado, presunto, queijo e picles, pressionados no pão na chapa. Há, ainda, o “pan com lechon” (sanduíche apenas com porco), vendido em qualquer lugar da cidade. Os frutos do mar são também opções à parte, com destaque para as lagostas e os camarões, geralmente feitos “enchilados” (com molho de tomate). Chamou-me a atenção o fato de os pratos não serem condimentados ou apimentados, dando a oportunidade de se degustar o sabor real dos alimentos.
Um dos “Paladares” mais antigos de Havana, o Doña Eutimia, localizado no centro da Cidade Antiga, serviu-nos “uma roupa velha” de cordeiro e uma salada de polvo simplesmente deliciosos. No restaurante, eles inovaram no coquetel nacional cubano, o “mojito”, criado, reza a lenda, em outro lugar icônico da cidade, no “La Bodeguita del Medio”. A bebida tradicional é servida com suco de limão, hortelã, açúcar, gelo e rum branco. No Doña Eutimia, misturam todos os ingredientes no liquidificador, dando origem ao “rum frapeado”. Confesso que gostei mais desta segunda versão.
O rum, aliás, é a bebida nacional, orgulho do país, base da economia e que dá origem a dois coquetéis bem famosos, o mojito e o daiquiri. Ambos conquistam a quem chega e a muitos que já se foram, como o escritor norte-americano Ernest Hemingway, prêmio Nobel de Literatura, que morou em Cuba por mais de 20 anos e onde se inspirou para escrever o livro “O velho e o Mar”.
No bar e restaurante “El Floridita”, na área central de Havana, há até uma estátua em bronze do ilustre cliente. Era ali que Hemingway dizia tomar o melhor “daiquiri” da cidade, um coquetel elaborado com rum, suco de limão, açúcar e gelo, bem misturados no liquidificador.
No “Floridita”, o cardápio do restaurante é bem tradicional e, entre as opções, oferece o “Plato de Hemingway”, com peixe, lagosta e camarões ao molho de alcaparras, acompanhados de legumes ao vapor. Quando voltar a estação das lagostas aqui na Jamaica, pretendo tentar copiar esse prato porque é divino.
A marca Hemingway ajuda a manter o prestígio dos dois bares-ícones da cidade, o “La Bodeguita del Medio” e o “Floridita”, tanto que ambos expõem nas paredes a famosa frase do escritor, que os tornou parada obrigatória para quem visita Havana: “My mojito in La Bodeguita; my daiquiri in El Floridita” (em tradução livre: “meu mojito no La Bodeguita e meu daiquiri no El Floridita”). Nos murais do “La Bodeguita”, entre tantos registros de celebridades, também encontramos a foto do nosso grande poeta Thiago de Mello.
E a gastronomia também invade os lugares de diversão, como os famosos cabarés, que vendem o ingresso com o jantar incluso. Uma viagem à capital cubana não pode dispensar a visita a tais espaços, ainda hoje com o glamour de outrora, a exemplo do “Parisien”, no tradicional Hotel Nacional, e o Tropicana, inaugurado em 1939, com espetáculos de encher os olhos e animar o coração. Ao final, os convidados se arriscam a dar passos de salsa no palco ou no salão.
Foi uma viagem curta, onde meu olhar se voltou bastante para a gastronomia, mas também para algumas peculiaridades do país que mantém o sistema socialista ainda em vigor, com controle geral da vida dos cidadãos, inclusive na oferta de alimentos. Chama atenção a cordialidade dos cubanos para com a gente e a boa energia emanada por eles.
Não tenho como propósito analisar a realidade do país, nesta curta viagem de uma semana apenas, mas trazer vívida, nas minhas lembranças, a boa cozinha que desenvolveram, resultado do encontro cultural entre indígenas, negros africanos e espanhóis, que me fez lembrar muito do Brasil. Saí com a impressão de que temos muito mais coisas em comum com os cubanos do que podemos imaginar.