Ana Cláudia Leocádio Gioia
Antes que alguém comece a rir do título, explico que meu entusiasmo é pelas descobertas que faço sobre esse importante tubérculo durante minhas andanças pelo exterior e seus diferentes usos. Produto originário da América do Sul, mais especificamente do Brasil e dos países vizinhos, a mandioca é considerada a salvação da lavoura, por tudo o que nos oferece, nos cerca de dez mil anos de domesticação e cultivo, sobretudo pelos indígenas.
Lembro-me o quanto a ex-presidente Dilma Rousseff foi motivo de chacota quando, em junho de 2015, no Brasil, por ocasião do lançamento dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, proferiu discurso descontraído em que “saudou a mandioca comungando com o milho”. À época, estudante de Gastronomia, compreendi exatamente o que ela queria dizer: a força dos dois produtos, a mandioca e o milho, fontes mundiais de alimentação, cultivados pelos indígenas nas Américas.
Conhecida por vários nomes, como mandioca, yuca, macaxeira, aipim, manioc, cassava, entre outros, é a fonte primária de carboidratos, nas zonas tropicais, e o sexto mais cultivado no mundo, segundo os levantamentos mais recentes, além de produto com alta produção na África e Ásia e, lógico, nas Américas do Sul e Central e na região do Caribe. Graças ao intercâmbio de produtos, após as grandes navegações, no final do século 15, a mandioca chegou ao continente africano pelas mãos dos portugueses. Hoje a Nigéria é o atual maior produtor mundial do tubérculo, ao lado da Tailândia, que tem a produção dedicada à extração do amido.
Na época em que moramos em Abuja, capital da Nigéria, o “gari” foi a garantia de nossa farofa de cada dia. Os nigerianos, assim como a maioria dos povos do Golfo do Benin, no oeste da África, utilizam essa farinha para fazer um tipo de pão mole para acompanhar os pratos, conhecido como fufu. Vendida como “cassava” aqui na Jamaica, tem como principais derivados o “bummy”, um pão redondo achatado, feito com a massa ralada e enxuta, e o “cassava crumbs”, a farinha torrada.
Neta de agricultores que sempre cultivaram mandioca, posso descrever todos os produtos que meus avós produziam, na época da colheita, como os beijus, beijucicas, pés-de-moleque, farinha tapioca crocante, farinha amarela, isso sem falar no tucupi, nos polvilhos e na farinha de crueira. O mingau de massa de crueira com leite de castanha é inesquecível. Nas festas de santo no interior, é mandatório fazer uma roça para a produção das guloseimas que serão servidas durante as festividades, começando pelos biscoitos de goma, para tomar com café depois da “reza”, até o tucupi do tacacá.
É interessante ver o tamanho da contribuição indígena para o compartilhamento de todo esse conhecimento mundo afora, se imaginarmos que, para domesticar um tubérculo perigoso, como a mandioca brava, com alto teor de ácido cianídrico (cianeto), cuja toxidade pode levar à morte, muitas vidas foram ceifadas ao longo desse processo histórico. Como eles chegaram, por exemplo, à receita da maniçoba, prato típico do Pará, que tem cozimento de vários dias das folhas da maniva? É uma pergunta que me fascina.
Numa viagem recente à Antígua e Barbuda, em meados deste ano, visitamos o museu de Saint John, capital do país. No local, pudemos aprender que os Aruaques, indígenas que habitavam a região onde hoje estão a Venezuela e a Guiana, já chegaram ao lugar com seus conhecimentos e, principalmente, dominando a forma como plantavam e exploravam a mandioca.
Nas gravuras é possível identificar todos os utensílios usados à época, o que me lembrou muito os que tínhamos na “cozinha de forno” dos meus avós, como peneiras, gamelas (bacias compridas de madeira), remos e tipitis. A novidade era uma grade de ferro (Yabba), na qual eram feitos os beijus. Exímios navegadores, os Aruaques, juntamente com os Tainos, foram os mais conhecidos povos que expandiram a produção do tubérculo para a América Central e Caribe, segundo as informações do museu.
Na República Dominicana, por exemplo, pratos típicos, como o sancocho (um tipo de cozidão com até sete tipos de carnes) e muitas entradas servidas nos restaurantes, são feitos à base de mandioca (yuca nos países de língua espanhola), como os bolinhos com queijo e os pastéis com porco. Em Cuba, o ingrediente tem presença mandatória também, seja frito ou como a deliciosa “yuca con mojo” (mandioca com molho), feita à base de alho, cítricos e azeite de oliva, que geralmente acompanham um prato de carne.
Com tantas delícias originadas de um único ingrediente, a saudação à mandioca é mais uma homenagem a essa herança de nossos ancestrais indígenas, que até hoje ocupa com destaque nossas mesas, principalmente para nós amazonenses, seja com seus derivados tradicionais, seja com as inovações trazidas pelos novos cozinheiros. Que nunca nos falte a nossa querida e deliciosa mandioca.
Salve nossa mandioca! Excelente texto, Claudinha!