Vanessa Bayma
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MANAUS – A Lei de Execução Penal, de número 7.210, criada em 1984, diz que é dever do Estado prevenir o crime e orientar os apenados quanto ao retorno à convivência em sociedade. Partindo desse princípio, o sistema prisional do Amazonas informa que tem tentado implantar em maior número a remição de pena por estudo ou trabalho.
Em 2021, juntando as seis unidades prisionais de Manaus, 557 reeducandos iniciaram o ensino fundamental, 95 o ensino médio e mais de 90 começaram o ensino superior, na modalidade Ensino a Distância (EAD). No Instituto Penal Antônio Trindade (Ipat), de acordo com a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap), foi zerado o analfabetismo e todos os internos, 708, participaram da remição.
A Seap conseguiu, até 2021, fazer esse trabalho de remição ou ressocialização, como é mais conhecido, em 1,2 mil reeducandos. O apenado que participa tem o direito de abater com os dias e horas trabalhados ou estudados, a sentença da qual foi condenado. Com isso, diminui seus dias de privação de liberdade e ocupa a cabeça com atividades úteis.
Em Manaus, segundo a Seap, a ressocialização acontece também no Centro de Detenção Provisória de Manaus (CDPM) 1 e 2, Unidade Prisional do Puraquequara (UPP), Centro de Detenção Feminino (CDF) e Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj). No interior, as cadeias de Coari, Parintins, Itacoatiara, Humaitá, Tefé, Tabatinga e Maués também oferecem diversos projetos.
‘Trabalhando a Liberdade’
O diretor do Ipat, tenente Tales Renan da Silva, explica que o “Trabalhando a Liberdade”, o programa de remição de pena, não somente diminui os dias de condenação do preso, mas mostra que ele pode seguir outros caminhos, motivando-o a não enxergar mais a criminalidade como a única saída. O ocupa, também, em diversas atividades.
“Quando ele enxerga que a remição é a única oportunidade de sair daquela situação, conseguimos fazer um trabalho em ele se enxerga como ser humano, um cidadão de fato, e começa a ter aspirações fora daqui e fora do crime. Incutimos valores de sociedade para ele ser um homem correto, de bem, porque não vai querer voltar para a prisão”, salientou o diretor do presídio.
A rotina dos presos no Instituto Penal é simples e inicia entre 5h e 6h com o café da manhã. Em seguida, quem é trabalhador, vai realizar suas atividades no próprio presídio, seja na jardinagem, cozinha, lavanderia, costura ou confecção de produtos de higiene, como shampoo e sabonete, para consumo interno.
Quem faz o ensino básico, médio ou superior, por meio da modalidade EAD ou cursos profissionalizantes, vai para a sala de aula. Eles almoçam e às 13h30 retornam suas atividades novamente, parando apenas para o lanche. O retorno para as celas é às 16h, quando a unidade prisional é trancada. Até o jantar, às 19h, servido na cela, não há mais trânsito livre na prisão. Às 21h, eles recebem uma ceia, geralmente sopa ou pão.
“Nós damos o que tem que ser do preso, que é do direito dele. Isso inclui cinco alimentações por dia, tratamento médico humanizado, aparato psicológico, mas é uma vida dura. Hoje em dia não tem mais televisão nas celas, por exemplo”, explica o tenente, fazendo referências às celas onde antigamente chefes de facções criminosas do Amazonas possuíam tratamento diferenciado, incluindo pintura, piso com cerâmica, camas melhores, ventiladores, entre outros.
Parcerias
As opções do ensino básico e médio são feitas por meio da Secretaria de Educação do Amazonas (Seduc) e o superior na modalidade EAD é em parceria com a faculdade Estácio. Os cursos são de administração, logística, serviço social, pedagogia, turismo, entre outros.
Os profissionalizantes são em parceria com o Centro de Educação Tecnológica do Amazonas (Cetam) e em 2021 mais de 700 capacitações foram realizadas em Manaus e em cinco municípios do interior. Foram mais de 42 cursos, entre eles, de instalação e manutenção de ar-condicionado, panificação, pintor de obras, entre outros. No campo das artes, tem a oferta de aulas de violão, flauta e teoria musical. Mas, atualmente, estão sendo realizadas apenas as aulas de violão. Crochê e artesanato também são oferecidos.
O aumento na participação dos presos, de acordo com a secretaria, foi de 555% em relação a 2020, quando apenas 109 participaram.
Experiência
O apenado *Paulo (nome fictício), do Ipat, tem 34 anos e foi condenado há 12 de prisão pelo crime de homicídio triplamente qualificado. Ele conta que foi sua primeira passagem pelo sistema prisional e que sempre teve uma ideia diferente das cadeias.
“É um sistema que tem me dado muitas oportunidades por meio da educação e da disciplina, diferente do que eu ouvia antigamente”, disse Paulo, que faz graduação em serviços jurídicos.
A escolha da graduação tem relação com o crime cometido que, segundo ele, mostra que a justiça nem sempre chega na verdade dos fatos. “Tenho tentado melhorar como ser humano. Estou refletindo sobre vários assuntos na minha vida e convivido com pessoas muito diferentes”, apontou.
Com o curso, ele pretende alçar novos voos. “É o que tenho buscado e pretendo, ao sair da prisão, trabalhar com serviços jurídicos. É uma graduação tecnológica e tenho gostado bastante. Tenho um casal de filhos e meu futuro vejo com eles, os educando, e encaminhando para a vida”.
O juiz da Vara de Execução Penal da Justiça do Amazonas, Luís Carlos Valois, conhece bem a realidade das cadeias do estado. Crítico do modelo de encarceramento no Brasil, ele acredita que as cadeias, normalmente, contribuem para o círculo vicioso da criminalidade. “Os ambientes são hostis, inadequados e com pouca dignidade. Além disso, a rivalidade entre facções sempre esteve presente nas prisões”, afirmou.
Além da última rebelião no Compaj, em 2019, ele lembra bem da que aconteceu em 2017, na mesma unidade, que fica na BR-174, em Manaus. Naquele ano, um massacre ocorreu no dia 26 de dezembro e o cenário de guerra durou cerca de 17 horas e culminou no assassinato de 56 detentos. A polícia, à época, chegou a ter dificuldade na identificação dos corpos, tamanha a violência em que foram encontrados.
“O sistema penitenciário é um lugar onde vivem seres humanos e é muito circunstancial. Em 2017 teve uma rebelião. Quando pensamos que tudo estava tranquilo, em 2019, teve outra. É cíclico. Por isso, é preciso fazer o que diz a lei. E quanto mais atividades profissionais tiverem no ambiente penal, isso é bom. É uma forma de diminuir a criminalização do ambiente, que geralmente leva ao acometimento de mais crimes. Porque na cadeia, existe o efeito de, ao invés de melhorar a pessoa, ela piora. A oferta de trabalho, estudo, médico, biblioteca, está na lei, é obrigação. Se cumprir a lei, o sistema melhora”, ressaltou o juiz.
De acordo com ele, em Manaus, apesar de algumas melhorias, ainda falta muito a ser feito no sistema penal. “Se você executa a pena sem cumprir a lei, como você vai querer que uma pessoa que ficou tanto tempo presa num lugar bancado, administrado pelo estado, violando a lei, que essa pessoa também cumpra a lei um dia? Isso é o básico. O estado precisa dar o exemplo”.
Outro ponto importante é em relação às vagas, que devem suportar a capacidade de todos os internos, e as necessidades das prisões e presos. “Se são 400 vagas, tem que ter só 400 presos. Isso precisa melhorar. E se o preso está numa cela suja, com mofo, sem energia elétrica, água às vezes, no calor, úmido, é complicado. Outra coisa é que a maioria dos presos, atualmente, só possui duas horas de sol. O preso que não está trabalhando, acaba ficando mais tempo na cela e acaba pagando uma pena bem pior do que aquele que está trabalhando”, observou.
Enem
De 9 a 16 de janeiro de 2022 foi realizado o Exame Nacional do Ensino Médio para Pessoas Privadas de Liberdade (Enem/PPL), em todas as unidades penitenciárias. Em Manaus, 385 apenados fizeram a prova. No interior, foram 76, divididos entre Coari, Humaitá, Itacoatiara, Maués, Parintins, Tabatinga e Tefé.
O Enem PPL existe desde 2010, e consiste na aplicação da prova nas unidades prisionais de todo território nacional para presos que já tenham concluído o ensino médio.