Qual a estação da sua fruta amazônica preferida?

As pupunhas de variados tipos começam a cegar às feiras. Um dos derivados deliciosos dessa fruta é a caiçuma, um suco fermentado, que tomávamos adoçado e com farinha amarela. Foto: Ana Cláudia Leocádio.
As pupunhas de variados tipos começam a chegar às feiras. Um dos derivados deliciosos dessa fruta é a caiçuma, um suco fermentado, que tomávamos adoçado e com farinha amarela. Foto: Ana Cláudia Leocádio.

Janeiro sempre foi, para nós, crianças do interior, um mês muito gostoso, mas cheio de muitas superstições dos nossos avós. Isto porque é a estação de muitas frutas deliciosas como cupuaçu, açaí, goiaba, tucumã, castanha e pupunha, só para citar algumas. Com essas doces lembranças em mente, tenho procurado, em vão, alguma publicação no Amazonas que traga um guia das estações das frutas e de outros produtos gerados pela nossa floresta, para me orientar melhor quando e onde encontrar.

Em Alvarães, na infância, morei desde os 3 anos com meus avós, em uma família onde se consumia o que se plantava, pescava, caçava ou colhia na mata. Com a venda de alguns desses produtos, era possível comprar café, açúcar e querosene para a lamparina, no comércio. Essa vivência formou em minha memória uma imagem muito marcante do quanto a floresta nos dava tudo o que precisávamos.

Havia muita confusão porque, conforme dizia minha avó, criança tem o “olho grande”, quer comer tudo o que vê. Não fazia sentido, para a gente, ter de escolher entre tomar um copo de refresco de cupuaçu e uma tigela de açaí com farinha. Se misturasse os dois, era problema na certa, até morte poderia ocorrer. Eram contadas as frutas que podíamos comer combinadas com outras.

Minha estação preferida das frutas começa agora em janeiro, em especial por causa do açaí e do tucumã. Foto: Ana Claudia Leocádio.
Minha estação preferida das frutas começa agora em janeiro, em especial por causa do açaí e do tucumã. Foto: Ana Claudia Leocádio.

A melhor parte eram os preparos que vovó fazia, como a “caiçuma” de pupunha, uma espécie de suco bem grosso da fruta fermentada, que tomávamos com açúcar e farinha amarela. Até hoje sinto o gosto desta delícia na boca. Isso sem falar na castanha, da qual, além de extrair o leite, fazíamos “castanhada” (como a cocada) e assávamos para fazer paçoca (batida no pilão com açúcar e farinha amarela). O leite, além de ser gostoso também com café, vovó usava para colocar na comida. Meu prato preferido era jacu (uma ave) com leite da castanha. Mas era uma comida rara, pois dependia das caçadas dos meus tios.

Havia frutas da floresta das quais hoje em dia não mais ouvimos falar, como as mariranas (que parece uma cenoura), as cabeças de macaco (coquinho verde com carocinhos doces), o pepino do mato (o melhor) e o cupuí (um mini-cupuaçu, mas bem docinho). A estação do cacau era bastante animada, porque ajudávamos a vovó a espalhar as sementes ao sol para secar e, depois, acompanhávamos a produção do “chocolate”, que na verdade é a barra de cacau. Os pães duros duravam muito tempo e garantiam nosso chocolate na merenda e nas rezas do Divino, com gemada.

Cacau, pequiá, ingás são frutos tão comuns na Amazônia, que poderiam fazer parte de um catálogo informando a estação de cada um na região. Foto: Elaíze Farias.
Cacau, pequiá, ingás são frutos tão comuns na Amazônia, que poderiam fazer parte de um catálogo informando a estação de cada um na região. Foto: Elaíze Farias.

O preparo do açaí era uma atração à parte. Sem as máquinas elétricas atuais, era feito, naquela época, no alguidar de barro, amassado com as mãos e coado em peneiras de arumã. Como não havia geladeira, éramos obrigados a tomar, imediatamente, para não azedar. Só tinha direito quem não tivesse comido outra fruta antes. Havia, ainda, as interdições ao caroço da pupunha: quem comesse aquele coquinho gostoso ficaria burro, sem inteligência. Comi à beça.

Sempre que vou a Manaus, sou frequentadora assídua das feiras, pois gosto de saber que frutas diferentes estão chegando. Na capital, acho mais difícil encontrar aquelas riquezas de infância. No entanto, encontramos muita coisa boa, tudo na base da conversa com o vendedor: tucumãs arara e pupunhas mais oleosas, por exemplo.

Janeiro é o mês quando começa a estação do açaí e é possível encontrar também maracujá do mato. Foto: Ana Claudia Leocádio.
Janeiro é o mês quando começa a estação do açaí, e por volta do mês de março já é possível encontrar também maracujá do mato. Foto: Ana Claudia Leocádio.

Com base em todas estas reminiscências, tenho refletido muito sobre como seria interessante organizar melhor essa produção em uma publicação e ter ideia de quando e onde os produtos são colhidos. Dada a extensão geográfica do Amazonas, pode ser que haja diferentes estações para determinadas frutas, de acordo com a região. Seria uma boa ferramenta na elaboração de projetos, com o intuito de apoiar e de organizar pequenos produtores a gerar mais renda. Tenho amigos que já perderam uma produção inteira de polpa de cupuaçu por faltar energia na comunidade.

Comprei no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) alguns livros sobre peixes e frutas específicas da região, mas até hoje não encontrei um estudo consolidado sobre a “sazonalidade”, pelo menos das frutas no Estado ou da região amazônica. Se cada prefeitura começasse a realizar essa catalogação, já seria um bom começo. Isso vale também para os peixes, podendo ser fixado um quadro nas feiras para informar o consumidor.

Jaca e mamão, na Feira Municipal de Coari, em junho de 2021. Foto: Ana Claudia Leocádio.
Jaca e graviola, na Feira Municipal de Coari, em junho de 2022. Foto: Ana Claudia Leocádio.

A dificuldade para a realização de uma vasta pesquisa sobre a produção florestal não é um problema apenas do Amazonas. Aqui na Jamaica, onde também encontramos bastante frutas tropicais similares, inexiste um guia dessa natureza. Ao participar de um curso sobre “alimentação viva”, em que nada é cozido, o autor das palestras viu-se obrigado a fazer este mapa com base no que encontrava nas feiras. É algo bem simples, mas que vai me ajudar bastante na hora de procurar os produtos por aqui.

Sou uma apaixonada por tudo da nossa região. Desde criança fui acostumada a degustar tudo o que vinha da natureza. Por isso, talvez, minha estação preferida das frutas seja a que começa agora em janeiro, em especial por causa do açaí e do tucumã. Mas que bom seria se tivéssemos um guia completo para nos orientar sobre os meses em que podemos encontrar nas feiras nossos produtos preferidos. Fica a sugestão aos gestores públicos.

Ana Cláudia Leocádio Gioia
Ana Cláudia Leocádio Gioia
Graduada em Cozinha pelo Institut Le Cordon Bleu de Paris, em Gastronomia pelo Iesb-Brasília. Especialista em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e graduada em Jornalismo pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

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