Vanessa Bayma
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MANAUS – | As águas cristalinas do Rio Tapajós, das praias de Alter do Chão, no Pará, ficaram barrentas e turvas em dezembro, antes do período em que esse fenômeno normalmente ocorre. O Tapajós deságua no rio Amazonas e naturalmente essa mudança ocorre, mas entre janeiro e março. Para a ONG Greenpeace, a mudança ocorrida pode estar relacionada com a contaminação do rio por garimpo ilegal.
Levantamento realizado pela entidade em dezembro de 2021 mostra a destruição de 632 quilômetros de rios do lado sudoeste do estado paraense, na terra indígena Munduruku. De acordo com André Freitas, gerente de Florestas do Greenpeace, no local, se formaram piscinas barrentas e argilosas, por causa do garimpo ilegal.
“É importante que os órgãos ambientais verifiquem o que está acontecendo em Alter do Chão”, alerta André Freitas. Na extração do ouro, ele explica, o mercúrio é utilizado para a aglutinação do metal, contaminando a água e gerando problemas de saúde nos moradores, assim como afetando a produção e consumo de peixes na região.
Segundo Freitas, geólogos e especialistas apontam que há uma série de possibilidades para os sedimentos encontrados nos rios, que podem vir das nascentes, mas o aumento do garimpo na região não é descartado como um fator que pode ter influenciado na coloração atípica para a época.
“Isso não pode ser negligenciado. Com o aumento vertiginoso nos últimos tempos do garimpo na região, pode haver muito mais sedimentos nas águas. É uma realidade. Os órgãos ambientais têm que ir para lá e fazer os testes com a água da região para verificar se esses sedimentos de Alter do Chão têm relação com o garimpo”, aponta.
A cidade paraense é conhecida como o “Caribe Amazônico” e atrai turistas por conta de suas belas praias. “A gente põe em risco uma economia muito importante para a região, em detrimento ou em função de uma exploração de ouro que enriquece a poucos. Vale a pena arriscarmos a vida das pessoas?”, questiona Freitas.
Epicentro do ouro ilegal
De acordo com o levantamento na terra indígena Munduruku, a bacia do Rio Tapajós é considerada, hoje, o epicentro do ouro ilegal no Brasil. O monitoramento, feito a partir de imagens de satélite, mostrou que os rios Maruá, das Tropas, Cabitutu e Joari, além do igarapé Mutum, são os corpos d’águas mais prejudicados pela atividade ilegal. Assim, as praias de Alter do Chão também podem, de acordo com o Greenpeace, estar sendo afetadas.
Em novembro do ano passado, um bairro flutuante com 131 balsas de garimpeiros, no Rio Madeira, próximo de Autazes, no Amazonas, foi queimado pela Polícia Federal (PF). Em dezembro, um laudo da PF apontou que a concentração do mercúrio, usado nas atividades do garimpo, eram três vezes maiores que o admissível. Ribeirinhos estavam consumindo água e alimentos contaminados. A atividade ilegal do garimpo existe há vários anos e as consequências são cada vez piores.
Assim como os ribeirinhos de Autazes, no Amazonas, em Santarém, no Pará, os moradores também lidam com a contaminação. André cita o estudo da bióloga Heloísa Meneses, da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), que mostra que o nível de mercúrio também está além do aceitável no organismo dos paraenses. “A professora comprovou que 80% dos moradores de Santarém têm nível de mercúrio acima do permitido pela Organização Mundial da Saúde (OMS)”, ressaltou.
“As águas estão impróprias para o consumo. E a grande pergunta é: sabendo que as pessoas estão contaminadas, como o poder público vai ajudar essas pessoas? Qual o tipo de acompanhamento que terão? Sabemos do efeito do excesso de mercúrio no organismo: infertilidade, má formação do feto na gestação, são questões que precisam ser endereçadas”, enumerou.
Freitas destaca, ainda, a atuação do governo Bolsonaro, “pró-garimpo”, a favor da atividade que expõe diversas famílias sem dar nenhum amparo e nem direitos trabalhistas, já que é ilegal. Um fato levantado é que cada vez mais a atividade garimpeira está tecnológica. Segundo Freitas, nos garimpos são usadas pás escavadeiras que custam em torno de R$ 1 milhão, o que mostra que os garimpeiros são só a ponta do “iceberg”, já que são pessoas simples e, para máquinas como essas, é necessário grande investimento.
O especialista considera que os órgãos só agem quando provocados, quando há denúncias. Para ele, mais do que nunca é preciso pensar em mecanismos para frear o garimpo e dar alternativas para a população que vive disso.
“Esse modelo de destruição da natureza, que a gente tem chamado de economia da destruição, é totalmente antagônico e anacrônico ao que vem sendo discutido. Isso interfere e contribui para a crise climática e o que tem acontecido em termos de desastres ambientais no país”.