Mais cuidado com feiras e mercados

Bancada dos peixes, com produto disposto em uma cama de gelo em balcão refrigerado. Foto: Ana Cláudia Leocádio Gioia

Por Ana Cláudia Leocádio Gioia

Visitar feiras e mercados dos lugares que conhecemos é uma das experiências mais prazerosas durante uma viagem. São lugares que contam por si um pouco da cultura gastronômica de cada povo e nos levam a refletir sobre os modelos de exposição e conservação dos alimentos comercializados.

Particularmente, não gosto de coisas desorganizadas e sujas, porque o alimento é algo muito importante para as pessoas para ser tratado com desleixo. As experiências que tive na Turquia e na França foram muito enriquecedoras, em virtude de a maioria das feiras e dos mercados que visitei serem sempre organizados e bastante higiênicos. Isso conta muito, até mesmo em nossa decisão do que comprar. Já visitei lugares em que não consegui fazer compras devido a tanta sujeira.

É inevitável, para mim, como amazonense, não pensar em como grande parte de nossas feiras e mercados são organizados (ou desorganizados), especialmente em Manaus. À exceção do histórico Mercado Municipal Adolpho Lisboa, no centro da capital, recém restaurado e com uma estrutura bem definida, as feiras mais populares que conheço carecem de cuidado maior e, porque não dizer, de uma reestruturação mais adequada, principalmente para os setores de pescados e carnes.

Les Halles de Paris, que inspirou a construção do mercadão, de Manaus, antes de ser totalmente demolido no início da década de 70. Foto: Aimé Dartus/INA

O modelo arquitetônico que inspirou a construção do “Mercadão” de Manaus, por exemplo, era conhecido como “Les Halles”, no centro de Paris. Apesar dos protestos da época, o mercado parisiense foi totalmente demolido na década de 1970, por não mais atender às condições de higiene vigentes à época. Toda a estrutura foi transferida para fora da cidade, com galpões refrigerados e organizados por categorias de alimentos. No lugar do antigo, foi construído um grande centro de compras e uma estação de metrô, transparecendo que as novas necessidades ensejam soluções modernas para os problemas sanitários.

Feira em Ajácio, na Córsega – França

Uma das últimas viagens que fizemos antes de nos mudarmos da França para a Jamaica foi à ilha de Córsega, no Mar Mediterrâneo, pertencente ao Estado francês, onde visitamos um pequeno mercado, na cidade de Ajácio, célebre por ser o lugar natal do imperador Napoleão I. Além da forma organizada de exposição dos produtos, chamou-me a atenção as bancadas dos peixes, pois mesmo pequenas, traziam os produtos expostos sobre uma camada de gelo. São ideias que poderiam ser adaptadas com balcões refrigerados nas principais feiras e mercados de Manaus, com vistas à preservação da qualidade dos nossos deliciosos pescados.

Em uma cidade com temperaturas médias acima de 30 graus e alta umidade, como Manaus, ver a quantidade de peixes e carnes expostos em pedras sem nenhum tipo de refrigeração me causa muita preocupação, por conta da capacidade de proliferação das bactérias. Sem falar naqueles pedaços de madeira, onde limpam e cortam os produtos. Alguém pode dizer, no entanto, que sempre foi assim e que até hoje ninguém morreu por essa razão. Verdade, mas é uma contradição as autoridades sanitárias cobrarem condições de armazenamento e exposição de alimentos para outros estabelecimentos, menos para as feiras e mercados públicos.

Uma das imagens que nunca me saem da mente foi a de uma reportagem feita, há mais de dez anos, pelo jornal Diário do Amazonas. A matéria mostrava as condições de higiene da Feira da Manaus Moderna. O fotógrafo Chico Batata conseguiu captar, na época, à noite, imagens de ratos, além de outros animais, andando sobre as balanças e os alimentos. A Feira do Produtor, na zona Leste da capital amazonense, é exemplo similar de estrutura que precisa urgentemente ser reconstruída, por acumular sujeira e insetos próximos aos alimentos.

Peixes expostos em temperatura ambiente, sem qualquer sistema de refrigeração, na Manaus Moderna. Foto: Reprodução

A Feira da Manaus Moderna foi construída na década de 1990 e hoje está claramente defasada, demandando reestruturação urgente, até mesmo para valorizar ainda mais a riqueza dos nossos ingredientes. A gastronomia amazônica é das últimas fronteiras da cozinha mundial e suas grandes vedetes são nossas frutas, peixes de todas as espécies e tamanhos, que merecem um lugar de excelência ao serem expostos e comercializados.

Não sei o que falta para que as autoridades tomem alguma providência para melhorar as condições sanitárias das maiores feiras e mercados públicos de uma cidade do porte da capital do Amazonas. Li outro dia que o governo do Estado firmou convênio com a Prefeitura de Manaus para reforma de 29 feiras. Espero que os projetos contemplem as adequações de conservação e exposição.

Exposição de carnes em açougues de Paris

Pode ser que nós consumidores também tenhamos um pouco de responsabilidade por aceitarmos essa precária situação, sem cobrar providências. O fato é que uma boa cozinha se faz com produtos de qualidade, que exigem capacidade de conservação e armazenamento adequados para preservar melhor o sabor que colocaremos no prato.

Ana Cláudia Leocádio Gioia
Ana Cláudia Leocádio Gioia
Graduada em Cozinha pelo Institut Le Cordon Bleu de Paris, em Gastronomia pelo Iesb-Brasília. Especialista em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e graduada em Jornalismo pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

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