Jamais um ditado popular fez tanto sentido para nós quanto o “quem tem boca vai a Roma”, mesmo que hoje saibamos ser “vaia” no lugar de “vai a”. Foi assim que aproveitamos nossa viagem à Cidade Eterna, onde não fomos para vaiar, e sim aplaudir essa cozinha particular, que conseguiu preservar os diversos sabores ao longo de séculos de história.
O mestre absoluto nessa viagem culinária é o queijo “pecorino”, o orgulho romano, presente na maioria dos pratos icônicos da cidade, como o “cacio e pepe” (queijo e pimenta-do-reino), que se originou nas viagens dos pastores de ovelhas pela região, cujo leite servia para a preparação do queijo usado na hora de finalizar a preparação da massa. É difícil encontrar um restaurante ou “osteria”, em Roma, que não o ofereça em seus cardápios. Outro prato famoso que veio dessas andanças é a pasta “alla gricia”, com a diferença de que esta leva, além do queijo e a pimenta preta, também pequenos pedaços de “guanciale”, a bochecha de porco curada.
Foto: Arquivo Pessoal
Claro que encontramos restaurantes com opções de toda a Itália, mas há características desta cozinha do Lácio (ou Lazio) que são questão de honra para o romano, como ter seu próprio estilo de pizza. No lugar da napolitana redonda, a dos romanos é retangular, com variados recheios, quentes ou frios. Sem nenhuma guarnição por cima, chama-se “pizza bianca” (branca). Há, ainda, a “pinsa romana”, cuja massa é preparada com três tipos de farinha e tem formato redondo menor, sendo servida recheada e dobrada.
Um amigo italiano nos explicava que os romanos não abrem mão das suas tradições em vários segmentos e, com a cozinha, não seria diferente, pois é ponto marcante da cultura local. Mesmo tendo sido sede de um poderoso império, que só caiu no século XV, com a conquista de Constantinopla (1453) pelos otomanos, alguns dos principais pratos que conhecemos por lá são originários da chamada “cucina povera”, ou seja, da cozinha do pobre, mais popular.
Pratos populares
Os principais ingredientes da “cucina povera” viriam do “quinto quarto” do animal. Conta-se que os miúdos e sobras receberam este nome porque o primeiro quarto era destinado aos nobres; o segundo aos clérigos; o terceiro aos burgueses; e o quarto e último, aos soldados. A população comum consumia o que sobrava.
Dois pratos em particular são também comuns da cozinha brasileira: a “trippa alla romana” e a “coda alla vaccinara”. São nada menos do que a tripa e a rabada (coda), que conhecemos bem. A diferença talvez resida na forma de preparo. Em Roma, ambos têm como principais ingredientes o tomate, o salsão e folhas de um tipo de menta, originária da Europa. Devem ser cozidos em baixa temperatura por várias horas. A cheffe de cozinha Alessandra Ruggeri, proprietária do “L’osteria della Trippa”, em Trastevere, próximo ao Vaticano, nos serviu a melhor que pudemos degustar, acompanhada de um bom vinho da casa. Embora a tripa seja um prato dos sábados, resolvemos experimentá-la num dia de semana mesmo.
Foto: Arquivo Pessoal
Há, ainda, o “bucatini all’amatriciana”, feito basicamente com tomate, “guanciale”, pimenta, cebola e queijo pecorino. Originário da cidade de Amatrice, no Lácio, tornou-se um ícone também da cozinha romana. O mais interessante é que o tomate só chegou ao país por volta de 1548, levado do Novo Mundo pelos espanhóis, mas que só teve largo uso a partir do século XVIII. Antes, era usado como elemento decorativo e havia o receio de ser venenoso. Indispensável dizer que a “carbonara” é item mandatório no cardápio e servida, na maioria das vezes, com o macarrão “rigatoni”. Além do queijo e da bochecha de porco, a untuosidade do molho é dada pela gema do ovo.
Foto: Arquivo Pessoal
Também é uma obrigação degustar o “saltimbocca alla romana” (que salta para a boca), que consiste em um filé fino de vitelo e presunto cru (o prosciutto), empanados com trigo e grelhados em óleo bem quente com um ramo de sálvia. A simplicidade no preparo do prato traduz-se em algo muito saboroso, servido como “secondo piato” (segundo prato).
Conhecemos igualmente uma entrada típica da cozinha judia, que exerce bastante influência sobre a cozinha dos romanos: o “carciofo alla giudia” (alcachofra frita). A iguaria é encontrada na maioria dos cardápios da cidade e diferencia-se da alcachofra à moda romana, esta preparada refogada, e não frita.
Comida de rua
No que chamaríamos no Brasil de comida de rua, Roma é muito bem servida com seus “supli”, deliciosos bolinhos de arroz, geralmente recheados com ragus e queijo. O ideal é que seja “ao telefone”, em alusão ao fio de queijo quente quando abrimos essa entradinha.
Foto: Arquivo Pessoal
O filé de bacalhau empanado é também muito presente nas comidas rápidas da cidade, além do inconfundível “trapizzino”, um tipo de pão especialmente produzido para receber os mais variados recheios típicos romanos e servido em forma de cone. O meu escolhido foi o de língua com ervas. Nem preciso dizer que a flor de abóbora empanada frita era item frequente na minha escolha de entrada.
Gratas surpresas de Roma foram os restaurantes de peixes e mariscos. Apesar de um pouco mais caros, servem pescados frescos à escolha do cliente, servidos como segundo serviço. Os “primi piati” também não deixam a desejar, como o famoso “spaghettoni alle vongole”, presente no menu da “Hostaria da Cesare”, ou o peixe do dia, do “Rinaldi al Quirinale”. Vale dizer que a cozinha romana é muito diversa e rica também em opções de verduras e vegetais, como a “chicoria ripassata”, um acompanhamento bastante comum para carnes e peixes.
Foto: Arquivo Pessoal
Essa curta experiência na Cidade Eterna serviu para nos mostrar o quanto a cozinha da capital italiana é diversa, pois nos tirou dos clichês recorrentes a respeito dela. Fez-nos imergir em uma herança cultural mantida com orgulho pelos romanos. É óbvio que há muito mais opções nesse rico cardápio, mas fica para uma próxima oportunidade. Isso porque nem entrei na seara do “gelato’, o inconfundível e delicioso sorvete italiano.
Como optamos por conhecer lugares mais tradicionais, saindo um pouco da zona turística, compreendemos melhor como algumas culturas conseguem manter certas tradições culinárias ao longo do tempo.