Decreto que reduz IPI pode levar PIM a fechar as portas, diz ex-superintendente da Suframa

Gustavo Igrejas é servidor concursado da Suframa e já atuou como superintendente. Foto: Divulgação

DA REDAÇÃO

MANAUS – | O economista Gustavo Igrejas, 52 anos, que construiu toda a sua vida profissional nas entranhas da Zona Franca de Manaus ZFM, não tem dúvida de que o decreto 10.979, que reduz em até 25% o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), é fatal para a ZFM. “É de uma miopia estarrecedora, e sim, pode levar a Zona Franca a fechar suas portas”.

Gustavo é servidor concursado da Suframa, onde exerceu cargos como coordenador-geral de acompanhamento de projetos industriais, superintendente adjunto de projetos, superintendente adjunto executivo e superintendente da autarquia, acumulando aproximadamente 30 anos no órgão. Com a experiência e conhecimento adquiridos, Gustavo Igrejas afirma que é preciso “conter essa sangria, agora”.

Leia a íntegra da entrevista concedida ao CANAL TRÊS.

CANAL TRÊS – Qual é o real impacto do decreto de redução do IPI para as indústrias do Polo Industrial de Manaus? Que setores serão mais afetados? Há riscos de empresas deixarem o PIM?

Gustavo Igrejas – A redução linear de impostos, sem levar em consideração as peculiaridades de cada segmento industrial brasileiro, é de uma miopia estarrecedora.

Toda e qualquer redução dos dois impostos que, constitucionalmente, dão à Zona Franca de Manaus (ZFM) o diferencial competitivo que necessita para fazer frente à sua grande distância em relação aos grandes centros consumidores brasileiros, traz algum tipo de prejuízo para o nosso Polo. Estes prejuízos são específicos por segmento e aqueles que têm uma competitividade extremamente limítrofe em relação aos similares importados (principalmente, por conta do custo Brasil) serão mais prejudicados que os outros.

A questão não é somente esta redução de 25% do IPI, mas também a redução de 10% do Imposto Importação (II), que ocorreu no ano passado, bem como a previsão de redução de 25% do IPI para este ano e mais 10% do II para este exercício também. Este conjunto de medidas governamentais, tomadas de forma açodada, sem uma profunda análise setorial da nossa economia, pode levar a Zona Franca de Manaus a fechar suas portas, sim. Portanto, é importantíssimo conter essa sangria agora. Não dá para aguardar outra estocada contra nosso modelo de desenvolvimento.

CT – Qual o tamanho do risco para a economia do Amazonas e de Manaus? Vai haver impacto na arrecadação do estado e municípios? Como você vê a expectativa de economia e desenvolvimento social (geração de emprego e renda, principalmente) se o decreto permanecer como está?

GI – Os efeitos nocivos deste decreto na economia do Amazonas vão muito além da perda de arrecadação por conta da redução dos repasses do Governo Federal a estados e municípios, que serão menores face à renúncia fiscal que ocorrerá por conta do escopo do Decreto. Caso essas medidas continuem a ser tomadas pelo Governo Federal, a tendência é que o desemprego tome conta do nosso estado, irradiado pela falência da ZFM, que reduzirá de forma inconteste a geração local de emprego renda, com consequências socioeconômicas devastadoras.

Decreto faz redução geral de 25% de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Foto: Agência Brasil

CT – No início dos anos 90 o governo Collor fez a abertura unilateral do país ao comércio internacional, e o alvo foi o Imposto de Importação, responsável pelo bom desempenho do comércio da ZFM e também da indústria. A ZFM se recuperou desse impacto? O comércio voltou ao bom desempenho? Você traçaria um paralelo entre essas duas ações específicas?

GI – O segmento comercial foi pujante na ZFM, desde a sua regulamentação até o final da década de 80, baseado num mercado interno brasileiro protegido. Por conta das altas alíquotas do II e do IPI, valia a pena consumidores das demais localidades do país virem a Manaus, comprar artigos que eram extremamente caros em suas regiões. Mesmo pagando passagem aérea e estadia, ainda era mais em conta comprar estes artigos em Manaus do que em suas regiões de origem. Com a abertura econômica promovida pelo governo Collor, em 1990, esses produtos baratearam no restante do Brasil, tornando o comércio de importados da ZFM menos atraente para estes compradores. A partir de 1991, houve uma queda substancial do comércio local, bem como do turismo da região.

Este segmento não pode mais ser considerado um pilar básico dentro do nosso modelo de desenvolvimento pelo viés dos incentivos específicos do DL nº 288/1967, uma vez que, atualmente, segue o crescimento da base microeconômica local trazida pelos resultados do Polo Industrial (mão-de-obra empregada, aumento da renda, das atividades terceirizadas). É um segmento ainda muito forte, porém, dependente dos resultados das indústrias aqui instaladas.

Efetivamente, podemos sim traçar um paralelo entre as duas ações. Daí a importância da luta que a sociedade amazonense trava hoje, justamente para que o segmento industrial também não seja destruído por uma medida imposta pelo Governo Federal.

CT – Em relação à Floresta Amazônica e a tese de que a ZFM foi a melhor estratégia para mantê-la intocável em quase toda a sua totalidade no Amazonas, o que podemos esperar com uma crise grave e falência do PIM?

GI – É incontestável e provado por teses científicas de que a Zona Franca de Manaus é responsável direta pela preservação de mais de 95% da cobertura Florestal do Estado do Amazonas. O fim da Zona Franca de Manaus sem o desenvolvimento imediato de uma nova matriz econômica será trágico para a preservação ambiental.

CT – O que fazer, além das mobilizações para reverter o decreto? Falando tecnicamente, há saída?

Infelizmente, as garantias constitucionais que protegem a Zona Franca de Manaus são reféns de uma fragilidade, uma vez que sua proteção pode ser reduzida drasticamente por um decreto presidencial. Explicando melhor, apesar de ter sido prorrogada até 2073, o seu principal diferencial competitivo, que é o IPI, pode ser reduzido a qualquer momento pelo Governo Federal. Dessa forma, numa “canetada” podemos perder inúmeros empregos na região. É importantíssimo neste momento que sejam revertidos os efeitos do Decreto pelo menos para os produtos aqui fabricados e que já têm o IPI reduzido a zero. A excepcionalização desses produtos não traz nenhum prejuízo para a indústria brasileira e ainda preserva os investimentos feitos na Zona Franca de Manaus. Não seria exatamente a melhor solução, uma vez que “engessaria” a ZFM, que ficaria limitada aos atuais segmentos, porém, salvaria os mesmos, pelo menos.

Para o futuro, há de se pensar numa alteração Legislativa que traga uma trava que não permita que seus diferenciais competitivos sejam reduzidos de uma forma tão “fácil” como é atualmente. Minha sugestão seria criar um novo parágrafo no artigo 7º, do Decreto Lei 288/1967, determinando que quaisquer reduções do IPI de produtos fabricados na Zona Franca de Manaus só possam ocorrer através de Lei. Isso poderia, enfim, trazer um pouco de sossego para Zona Franca de Manaus.

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