De onde vem tua comida?

Foto: Ana Cláudia Leocádio Gioia

Por Ana Cláudia Leocádio Gioia

Uma foto de um peixe moqueado, publicada no perfil de André Baniwa Hapattairi, um importante líder indígena do Brasil, fez-me viajar no tempo e me lembrar dos moquéns e dos tambaquis defumados que meu bisavô Caetano trazia após as pescarias. Imediatamente me veio em mente a dificuldade que tive para encontrar tambaqui de rio, quando estive em Manaus, ano passado e início deste ano, assim como saber a origem de alguns dos nossos produtos vendidos nas feiras da capital.

Foto de peixe moqueado foi publicado no perfil de André Baniwa Hapattairi. Foto: Reprodução/Twitter

Para nós que nascemos nessa região, os peixes tem lugar especial na mesa, assim como a farinha, a pimenta e o limão. Mas nem só de peixe vive o amazônida e somos atraídos pela sazonalidade das nossas frutas, como açaí, castanha, cacau, tucumã, pupunha, cupuaçu, mari, uixi, abacaxi, entre tantos deliciosos alimentos que a floresta nos regala. Mas será que estamos sabendo de onde vêm todos esses produtos que nos alimentam todos os dias? O produtor ou coletor tem sido beneficiado de alguma forma por saber, por exemplo, que aquele tucumã é docinho e ‘carnudo’ como gostamos?

A experiência com cozinha na França levou-me a uma verdadeira viagem sobre a valorização de cada canto do país que produz algo para colocar na mesa dos franceses e ainda exportar para o mundo, como os vinhos. Foi o que aprendi na escola de cozinha e num livro muito interessante que comprei para me aprofundar melhor nesta cultura gastronômica que atrai milhares de estudantes para conhecer essa cozinha fascinante.

O livro “Atlas Gastronomique de la France”, de Jean-Robert Pitte (Editor Armand Colin, 2017), faz uma incursão pelo país europeu destacando cada produto por região, do menor ao maior produtor. É uma forma singular de o país buscar, identificar e documentar de onde sai cada ingrediente, o chamado “metre em valeur” (colocar em valor, em tradução livre), para destacar a sabedoria do lugar que produz e enriquece o país.

Livro ‘Atlas Gastronomique de la France’ destaca cada produto por região da França. Foto: Reprodução/Internet

Há, por exemplo, vários tipos de cebolas produzidas na França, mas uma em especial, de Cévennes, na região Sul, destaca-se pela sua doçura e possui Indicação Geográfica. Da mesma forma, a criação de aves tem uma concorrência acirrada entre várias regiões, sobretudo Bresse e Landes. E são aves realmente de muita qualidade, cuja alimentação precisa ser bem controlada para poder receber o selo. Os ‘poulets e poules” (frangos e frangas, digamos) estão nos menus dos melhores restaurantes do país. Em Paris, por exemplo, fomos a um restaurante perto de casa, o Auberge Bressane (www.auberge-bressane.com), onde serviam o melhor da cozinha de Bresse, com destaque para o  ‘poulet à la crème”. De comer rezando.

Prato ‘Poulet au vin jaune et aux morilles’, do Auberge Bressane, Paris. Foto: Reprodução/Internet

Essas percepções podem nos inspirar a incentivar as autoridades governamentais a pensar melhor de que maneira pode-se materializar, em cada Estado, essa busca pelo conhecimento da origem dos nossos produtos tão diferenciados e colocá-los em destaque para os consumidores. No caso do Amazonas, não seria pedir muito que, pelo menos nas feiras, fosse-nos indicado de onde vem cada ingrediente exposto nas bancas. Percebi que o açaí de Anori, por exemplo, destaca-se na capital pela qualidade, ainda que tenhamos o bem afamado açaí de Codajás. Mas tem os tucumãs de vários municípios que também se diferenciam e somente os bons conhecedores conseguem fazer as melhores escolhas.

Em 2019, a Farinha do Uarini recebeu o selo de Indicação Geográfica do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), dentro de um projeto realizado pela Fundação Amazonas Sustentável e o Instituto Mamirauá. Já é algum começo, principalmente para os produtores dos municípios do Médio Solimões, como Tefé, Alvarães e Maraã, que também produzem a farinha ‘ovinha’ característica que leva o nome do município que deu nome ao produto. Isso deveria abranger também as empacotadoras em Manaus que compram, na sua maioria, farinhas de atravessadores que não são obrigados a indicar a procedência.

Farinha do Uarini tem selo de indicação do INPI desde 2019. Foto: Reprodução/Internet

Em se tratando dos peixes, essa é uma luta ainda mais difícil, porque não conseguimos saber sequer se são ou não de cativeiro, quanto mais em que município ou Estado são produzidos. Pelo que se percebe, o que existe, são iniciativas localizadas para tentar valorizar os produtos no Estado e estabelecer um comércio justo. O ideal seria que governador e prefeitos se unissem e começassem a organizar esse nosso mapa da mina e, quem sabe, dar origem ao Atlas Gastronômico do Amazonas. Nossos ribeirinhos só teriam a ganhar.

*Ana Cláudia Leocádio Gioia é graduada em Cozinha pelo Institut Le Cordon Bleu de Paris, em Gastronomia pelo Iesb-Brasília. Especialista em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e graduada em Jornalismo pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

Ana Cláudia Leocádio Gioia
Ana Cláudia Leocádio Gioia
Graduada em Cozinha pelo Institut Le Cordon Bleu de Paris, em Gastronomia pelo Iesb-Brasília. Especialista em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e graduada em Jornalismo pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

1 COMENTÁRIO

  1. Excelente. Hoje o que se depara aqui em Manaus é a falt de qualidade do alimento a exemplo do tucuman gasta se muito por u. Tucuman amargo sem qualidade cheio de remédio p amadurecer. Seu artigo chega e. Boa hora tomar que toque as autoridDes

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