Como? Os nossos pais?!

*Bruno Rudar

Junho é o mês dedicado à conscientização do combate à violência contra a pessoa idosa. Celebrado no dia 15 e instituído pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2006, o Junho Violeta chama a atenção da sociedade para a conscientização e o combate às diversas formas de violência praticadas contra a população acima de 60 anos de idade.

Se há uma data oficialmente criada para tratar da temática, isso significa que as estatísticas são alarmantes. No Brasil, segundo dados disponibilizados pelo Disque 100, entre 2019 e 2020, houve aumento de 53% nas denúncias de algum tipo de violência cometida contra um(a) idoso(a). A convivência social restrita entre membros de uma mesma família, provocada pela pandemia de Covid-19, contribuiu para o incremento significativo no número de casos. Dentre as várias violências, destacam-se a psicológica, com ou sem abuso financeiro e praticadas, em sua maioria, por filhos (as).

Para além deste tipo de violência, gostaria de aproveitar este mês de conscientização sobre os (as) idosos (as) para refletir sobre violências mais sutis e veladas e que têm relação com o impedimento das pessoas mais velhas de desejarem (projetos de vida, relacionamentos amorosos etc.).

Não é novidade na nossa sociedade que as representações sociais sobre a velhice são carregadas de conotações negativas. Até entre alguns idosos, a palavra “velho” é quase tabu – “velho é o mundo” – como ouvi uma vez um senhor esbravejar a uma jovem que educadamente quis ceder seu lugar no ônibus. E quando o assunto é sexualidade, o imaginário social considera a pessoa idosa como desprovida de desejos e vida sexual. Existe a ideia equivocada de que, à medida que se envelhece, as paixões desvanecem. Para não me estender nos argumentos que contradizem tal bobagem, menciono dois: não existem razões fisiológicas que impeçam idosos (as) de terem uma vida sexual ativa; um outro, vem do que escuto de pacientes mais velhos (as) no consultório e que comprovam que os relacionamentos amorosos e sexuais podem ser bem mais interessantes depois dos 60 anos de idade.

Especialmente no Brasil, por conta de padrões socioculturais, em que filhos e filhas adultos (as) continuam residindo com os pais, é comum que os primeiros não vejam com bons olhos quando os últimos expressam algo de suas vidas íntimas. Duas pessoas idosas de mãos dadas ou sorrindo uma para outra: “que fofo! ”; dois “velhos” se beijando ou transando: “Eca! ”. Um último exemplo rotineiro: o caso de pais e mães divorciados (as), viúvos (as), solteiros (as) que sofrem grande resistência por parte da sociedade, principalmente de filhos (as), quando corajosamente se permitem um novo relacionamento. Se a diferença de idade for grande então, o outro é um “oportunista”.

 Um outro tipo de violência bastante praticada sobre as pessoas idosas é a financeira. Mas essa não é velada, pois aparece de forma destacada dentre os tipos psicológicos de violência. Trata-se de uma violência, a meu ver, mais difícil de ser combatida, pois muitas vezes encontra amparo médico e/ou legal: um diagnóstico de Alzheimer já vira motivo para que filhos queiram legislar sobre a vida afetiva e financeira de seus pais, pois esses já não teriam autonomia para gerir as suas próprias vidas. Curiosamente, isso acontece muito nos casos em que os filhos têm alguma dependência financeira de seus velhos. Uma metade da aposentadoria vai para os remédios e planos de saúde; a outra metade, para ajudar no financiamento da casa própria do filho. Lembro de certa vez ouvir um casal de idosos dizer, em tom de confissão, que estavam financiando um apartamento para seu filho de 30 e poucos anos para poderem morar sozinhos de novo e se verem livres de um adulto ingrato!

É óbvio que existem casos em que a senilidade e a idade avançada implicam transformações nas relações de cuidado de si e do outro. Percebam que eu não disse “relações de dependência”, pois relações desse tipo carregam excessos e violências.

E o que poderia estar por trás de grande parte dos casos de violência praticada pelos filhos aos seus velhos? Bom, no consultório, as queixas mais frequentes de crianças e adolescentes se referem à intromissão dos pais sobre os seus desejos e o que desejar. Para não me alongar nos exemplos, cito somente o da escolha de uma profissão. E do lado das pessoas idosas, as reclamações giram em torno daquilo que os filhos dizem ser “melhor” para eles. O que acontece, nesses casos, é uma espécie de repetição de relações que, ao invés de serem de cuidado, respeito e acolhimento, foram de dependência. E o que estaria condicionando essas relações e suas repetições, nos dois casos, seria um sentimento inconsciente de vingança de filhos e pais mal resolvidos com seus desejos. Acontece. E muito.

Acontece também que as mudanças estão ocorrendo. O prolongamento da vida, as possibilidades de um envelhecimento mais ativo e saudável, além de uma séria de transformações nas nossas formas de vida e de laço social nos permitem derrubar tabus e mitos sobre a vida dos mais velhos. O junho Violeta, assim como as discussões atuais sobre o eterismo (discriminação a partir da idade), são exemplos disso.

Finalizo esse texto evocando uma palavra que não pode faltar sobre quando se fala dos idosos: respeito. Uma das etimologias possíveis dessa palavra tem o sentido de “olhar de novo”. Assim, convido todos (as), idosos (as) ou não, a olharem de novo, com outros olhos se necessário, à velhice.  A terceira idade, assim como qualquer outra, pode ser a melhor.

*Bruno Rudar, é mestre em Psicologia e professor da Faculdade Santa Teresa

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