Se filmar na Amazônia nos dias atuais já parece um ato desafiador, imagina como eram as produções em 1918? Após um século, o documentário dirigido pelo cineasta luso-brasileiro Silvino Santos “Amazonas: O Maior Rio do Mundo”, entrou em cartaz em dois horários: às 16h e às 19h, como parte da programação do Cine Casarão promovido pelo Casarão de Ideias.
Essa é a segunda vez que o manauara vai ter a oportunidade de assistir a essa produção que traz imagens do rio Amazonas, áreas rurais, incluindo os primeiros registros do povo indígena Witoto e sequências mais longas apontando as indústrias extrativistas da região como borracha, castanha-do-pará, madeira, pesca e símbolos da fauna amazônica.
Com pouco menos de uma hora de duração (54 min), a obra, datada de 1918, foi reencontrada no início de 2023 na República Tcheca. Na época, o filme foi intitulado “The Wonders of the Amazon”, com data aproximada de 1925, mas a suspeita era que o material seria ainda mais antigo. O escritor e professor da Universidade Federal do Pará, Sávio Stoco, um dos principais estudiosos da vida e obra de Silvino Santos, confirmou que o material encontrado fosse parte do “Amazonas: O Maior Rio do Mundo”.
A reportagem do CANAL TRÊS conversou com Sávio para tratar sobre essa descoberta que, pra ele, representa o achado do alicerce da obra de Silvino Santos. “É o filme em que ele estruturou uma narrativa complexa e nova de representar a região, tratando de temas comerciais, naturais e culturais. É o alicerce, pois está nítido que a experiência desse filme foi a base para o filme de maior sucesso, “No Paiz das Amazonas” (1921), argumenta.
Ainda de acordo com Stoco, além de ter atravessado fronteiras, a obra “Amazonas: o Maior Rio do Mundo” tem interessado um público amplo na atualidade e dialoga muito bem com diversos campos artísticos, por ser consistente tecnicamente e ter sido encontrado em ótimo estado, embora necessite de aprimoramentos e restauros.
Após a confirmação, a Cinemateca Brasileira ficou responsável por traduzir para o português as cartelas de títulos e foi produzida uma trilha sonora feita por Luís Henrique Xavier, flautista e professor de Composição, Teoria e Análise do Departamento de Música da Unicamp.
Cultura Amazônica
O professor classifica como feito inovador desse filme o tratamento com profundidade da cultura amazônica, “desde os achados relativamente recentes na época dos petróglifos indígenas pré-colombianos do município de Itacoatiara, passando por uma grande sequencia sobre a cultura alimentar de matriz indígena (farinha da mandioca e peixes), pelo ritual das indígenas peruanas, além dos registros sobre importantes fenômenos da natureza. Além disso, é um documento inestimável que lança uma lupa sobre como era a exploração industrial dos recursos naturais da região antes das legislações brasileiras de proteção ambiental que se inaugurariam apenas quase meio século após esse filme. Portanto, é uma narrativa complexa e densa capaz de nos fazer refletir muito sobre nossa história” ressalta.
O filme foi exibido pela primeira vez em Londres, em fevereiro de 1922. Após sua redescoberta, a produção foi apresentada em outubro do ano passado na programação do Festival de Cinema Mudo de Pordenone.
E, no Brasil, também em 2023, foi apresentado pela primeira vez em 22 de novembro na Cinemateca Brasileira, no dia 07 de dezembro na Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio e no Amazonas, e foi exibido pela primeira vez no último dia 30, no Teatro Amazonas.
Cine Casarão
As sessões serão gratuitas, sempre às quartas-feiras de Janeiro, com distribuição antecipada de ingressos uma hora antes de cada exibição. Essa é uma parceria da Cinemateca Brasileira e apoio do Cine Set, um dos principais veículos sobre as produções audiovisuais do Norte do Brasil.
O Casarão de Ideias é uma associação cultural sem fins lucrativos cuja finalidade é a promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico. O local funciona de quarta a domingo, no horário de 15h às 20h, estando localizado na rua Barroso, 279, Centro Histórico de Manaus.
Sobre Silvino Santos
De acordo com a biografia publicada pela Biblioteca Virtual do Amazonas, Silvino Simões Santos Silva nasceu em Cernache do Bonjardim, pequena vila portuguesa. Filho de Antônio Simões Santos Silva, um professor de música, e de Virgínia Silva, Silvino Santos, ainda muito jovem, partiu para tentar a vida na lendária Amazônia.
Chegando a Belém do Pará, foi trabalhar no comércio. Aprendeu a fotografar nesta época, já demonstrando enorme talento. Foi descoberto por um dos mais poderosos seringalistas da Amazônia Peruana, Júlio Cezar Araña.
Silvino Santos se estabeleceu em Manaus e seu segundo filme também se perdeu. Em 1918, o comerciante Manoel Gonçalves resolveu fundar a Amazônia Cine Film e foi realizada a película documental “Amazonas: o Maior Rio do Mundo”. O empresário Avelino Cardoso participava do empreendimento. O noivo de sua filha, Propércio Saraiva, a título de copiar o filme em Londres, desapareceu com os originais deixando o cineasta em difícil situação financeira. A firma se dissolveu e o material cinematográfico foi arrematado pelo Comendador Joaquim Gonçalves de Araújo. Silvino iria conhecer o sucesso especialmente pelo auge do Ciclo da Borracha na Amazônia.