Alimentos em comum que nos trazem de volta ao AM

Quem mora longe de sua cidade natal sabe como, muitas vezes, a saudade bate forte das nossas coisas locais, principalmente quando o assunto é alimentação, seja das frutas, seja dos pratos mais tradicionais. Um amigo sempre me alertava que é pela comida que nos reconectamos com as nossas origens. Aqui na Jamaica foi onde senti essa batida mais potente.

Dos quatro países em que já moramos, a Jamaica e a Nigéria foram dois deles em que essa reconexão falou mais alto, por serem locais que trazem muitos alimentos de que dispomos no Amazonas, com destaque para esta ilha do Caribe. Mas qual foi a minha surpresa ao descobrir que muitas das frutas que também encontramos no nosso Estado nem são originais de ambos os lugares!

Moramos em Abuja, capital da Nigéria, de 2016 a 2018. Lá, a cultura da mandioca (levada do Brasil) é bem forte, por ser ingrediente fundamental para o preparo do “fufu”, um acompanhamento obrigatório nos ensopados, à base de azeite de dendê (óleo de palma ou “palm oil”, como os nigerianos chamam em inglês). Ao lado do inhame, tubérculo originário do continente africano, são poderosos alimentos na região e mandatórios na culinária “naija”, como também é conhecida.

Como cabocla comedora de farinha, ficava desesperada quando acabavam meus suprimentos levados de Manaus. Foi quando descobri a “gari”, idêntica à nossa farinha seca de farofa. Na cozinha da Nigéria, a população leva a gari ao fogo com água até formar uma massa densa, que pode ser modelada, dando origem ao “fufu”. Foi a salvação da lavoura. Para minha alegria, encontrei uma senhora, filha de nigerianos, aqui em Kingston, capital da Jamaica, que também produz e vende a “gari”. Ou seja, estou salva.

Desde que desembarcamos na ilha – habitada originalmente pelos indígenas Tainos (que não deixaram remanescentes) -, comecei a perceber nas feiras e mercados jamaicanos a presença de algumas frutas que temos na Amazônia, tais como o jambo, a sapotilha, o biribá, a sapota, o jatobá, o fruta-pão, a carambola, a graviola, a jaca, a batata doce e a banana pacovã, iguaria também muito popular na Nigéria. Até abiu encontrei por aqui, mas o roxo.

Com nomes diferentes, os jamaicanos sorriem quando eu falo para eles os nomes em português. Ficam também admirados ao saber que essas frutas não são exclusividade deles. O jambo, por exemplo, vem da Ásia, provavelmente da Malásia, e tem dois nomes ligados à maçã: “otaheite apple” e “jamaican apple”. Este período é sua estação.

A sapotilha é chamada de “naseberry” e nasceu nesta região; e é encontrada também na América Central. O fruta-pão (“breadfruit”) é diferente do encontrado no Amazonas, onde é mais parecido com a castanha portuguesa, enquanto o daqui é uma fruta inteira. O fruto também é originário da Ásia e foi trazido pelos navegantes europeus. É ingrediente obrigatório na cozinha jamaicana, sobretudo às vertentes veganas e vegetarianas, podendo ser consumido assado, frito ou cozido. Outro dia, comi um hambúrguer que o utilizava no lugar do pão, com recheio de grão de bico e verduras. Muito bom, por sinal.

Estamos no final da estação do abiu, conhecido aqui como “star apple”. De coloração púrpura por dentro e por fora, tem o sabor parecido ao nosso amarelinho e gruda nos lábios. Muito interessante é a banana pacovã ou da terra, derivada de uma espécie da África, onde é bastante consumida, e que aportou nos países da América do Sul, Central e Caribe. Conhecida como “plantain”, em inglês, ou “plátano”, em espanhol, está muito presente nas cozinhas caribenhas, seja assada, frita e cozida, verde ou madura.

Assim como na Nigéria, a Jamaica também produz vários tipos de inhame, conhecido em algumas partes do Brasil como cará. Ainda não encontrei, porém, o roxo. Usado pelos nigerianos para fazer “fufu”, entre os jamaicanos é consumido cozido, frito ou em forma de purê. A mandioca cultivada por essas bandas é a doce, ou seja, a nossa boa macaxeira, utilizada para fazer farinha (cassava crumbs) e bummy, um beiju feito do tubérculo ralado cru, que eles comem assado ou frito.

Se, por um lado, encontrar todos esses alimentos nos alivia a saudade da nossa terra, por outro, esse intercâmbio de frutas e legumes nos coloca dentro da história das navegações e do tráfico de escravizados para o Novo Mundo, iniciado no século XVI (1500), e que tantas marcas deixou em todas essas nações. Foi assim que a mandioca chegou à África, sendo hoje uma das principais fontes de calorias, continente que nos deu também o inhame e o dendê, isso sem falar das influências em vários pratos brasileiros. São traços em comum entre diversos povos que, cada um a seu modo, dão diferentes usos para estes ingredientes em suas cozinhas.

Ana Cláudia Leocádio Gioia
Ana Cláudia Leocádio Gioia
Graduada em Cozinha pelo Institut Le Cordon Bleu de Paris, em Gastronomia pelo Iesb-Brasília. Especialista em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e graduada em Jornalismo pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

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