A diversidade da cozinha turca

Degustando o ‘Iskender Kebab’, no restaurante onde o prato foi criado, na cidade de Bursa. Foto: Ana Cláudia Leocádio Gioia

Por Ana Cláudia Leocádio Gioia

Depois de mais de três anos morando na Turquia (de 2011 a 2014), foi muito difícil definir do que mais gostei daquele país fantástico, dada a sua riqueza histórica, cultural e gastronômica. Confesso que saí com gostinho de quero mais, pois foi lá onde meu interesse pela culinária aflorou, fazendo-me jogar de corpo e alma em novas descobertas, além do jornalismo.

A República da Turquia, tal como conhecemos atualmente, surgiu após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Foi fundada pelo grande líder militar Kemal Atatürk, o “pai dos turcos”, responsável por impedir o esfacelamento do que sobrou do poderoso Império Otomano.  É um povo originário da Ásia Central, que passou pelo Oriente Médio até fixar-se na Ásia Menor, na região da Anatólia. Na longa caminhada, converteram-se ao Islamismo, foram levando seus hábitos alimentares e assimilaram os dos povos por onde passavam. Um dos ingredientes famosos que levaram na bagagem, a propósito, foi o iogurte.  

Um dos grandes feitos dos Otomanos foi a conquista de Constantinopla, em 1453, que resultou no fim do Império Bizantino, renomeando a cidade para Istambul. Com a conquista mulçumana, fechou-se a principal rota comercial dos produtos do Oriente para a Europa, o que acabou incentivando as grandes navegações, que culminaram na chegada dos espanhóis às Américas e, posteriormente, dos portugueses ao que hoje é o Brasil.

Toda essa introdução deixa clara a grandeza deste país, um dos principais responsáveis pela popularização do café no mundo. Nossa primeira experiência com o café turco (türk kahvesi) foi logo que chegamos a Ancara, e foi catastrófica. Os turcos preparam essa saborosa bebida de modo bem peculiar, desde a moagem, pois o pó precisa ser bem fino, porque não é coado.

O Türk kahvesi, o tradicional café turco, preparado de modo bem especial. Foto: Reprodução/Internet

Você precisa dizer ao garçom se deseja o café “sade” (natural), “orta” (açúcar médio) ou “şekerli” (muito açúcar). Então, preparam em utensílios próprios e servem em xícaras tradicionais. É necessário, ainda, esperar um pouco o “sedimento baixar”, para começar a beber. Eu tinha uma amiga que lia as mensagens no fundo da xícara. Mas como não sabíamos do ritual, pedimos o café, o garçom trouxe e ficamos lá pedindo, insistentemente, colherinha de açúcar para mexer, ao invés de aguardar a borra baixar no tempo correto. Fomos vistos, claro, como verdadeiros criminosos.

A culinária turca é bastante diversa, por ser eclética e abranger patrimônios gastronômicos gregos, balcânicos, árabes e mediterrâneos, entre outros. Os ingredientes predominantes na culinária turca dependem muito da região. O país é banhado pelos mares Negro, Mármara, Egeu e Mediterrâneo, sem contar as partes mais áridas da Anatólia Central. Há pratos para todos os gostos, mas a presença das carnes de cordeiro e de boi é bem dominante, assim como o consumo de muitos vegetais e legumes, com destaque para a berinjela (a “patlican” – lê-se “patlidjan”).

É na região do Mar Negro, ao Norte do país, onde se concentram as plantações de avelãs e chás. Na época da colheita, ao final da primavera setentrional, os agricultores espalham toda a produção das castanhas ao longo da orla para secar, formando um grande tapete marrom. A região guarda um fato curioso, pois foi numa área onde hoje se localiza a cidade de Samsun que teria surgido o mito das guerreiras Amazonas.

Uma das iguarias de que mais gostava é o “gözleme”, que se assemelha a uma grande massa filo aberta e recheada com queijo, batata ou carne. Além de a massa ser aberta na sua frente por mãos habilidosas, as mulheres utilizam utensílio próprio para assá-la bem rápido. A iguaria era refeição obrigatória nas paradas no decorrer da estrada.

Mulheres preparam o ‘gözleme’ com recheio escolhido pelos clientes. Foto: Ana Cláudia Leocádio Gioia

Os “kebabs” representam um cardápio de sabores à parte. Para além daqueles famosos das comidas de rua, há versões mais célebres nos restaurantes, como o “Adana” e o “Döner”. O meu preferido era o “Iskender Kebab”, batizado assim, ainda no século 19, com o nome de seu criador, na cidade de Bursa, vizinha a Istambul. Feito de cordeiro, é servido sobre um pão pita, com molho de tomate, manteiga derretida, iogurte bem denso e pimentas assadas.

O iogurte, aliás, tem lugar especial na mesa dos turcos, afinal, foram anos e anos trazendo esse lacticínio na bagagem. Há vasilhames feitos de barro específicos para cada tipo de receita, de textura geralmente densa. A bebida nacional é o Ayran, uma espécie de iogurte mais líquido, levemente salgado, que acompanha todas as refeições. Os artesanais são os mais deliciosos. Como a Turquia é predominantemente islâmica, o consumo de bebida alcoólica é muito limitado, o que faz o Ayran reinar absoluto.

Ayran, bebida a base de iogurte levemente salgada. Foto: Reprodução/Internet

Este foi somente um pequeno panorama sobre a Turquia que, antes da pandemia, estava entre os 10 países mais visitados no mundo por turistas. Tem um povo muito altivo, amistoso e hospitaleiro. Mesmo que você se perca por seus rincões, há sempre um cidadão local para te oferecer ajuda. É muito interessante como cada região tem seu prato típico e seus produtos predominantes.  No país, você só não encontra carne de porco, interditada aos muçulmanos, mas, diante de uma gama de oferta de alimentos tão vasta, não chega a fazer falta, a não ser quando bate aquela saudade de uma feijoada.

Ana Cláudia Leocádio Gioia
Ana Cláudia Leocádio Gioia
Graduada em Cozinha pelo Institut Le Cordon Bleu de Paris, em Gastronomia pelo Iesb-Brasília. Especialista em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e graduada em Jornalismo pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

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