A ceia de Natal dos jamaicanos

Após dois anos de morada aqui na Jamaica, vamos passar o terceiro Natal por essas bandas do Caribe. É interessante notar como os jamaicanos preenchem a mesa do jantar de véspera natalina muitas vezes com pratos comuns a todos os povos, mas com algumas particularidades. Do bolo de frutas com rum ao chá de “sorrel” com especiarias, cada jamaicano elabora sua receita favorita para celebrar com a família. Tentarei mostrar alguns dos destaques da ceia.

Já de início percebemos que o peru, definitivamente, não faz parte da tradição por aqui. A estrela da mesa é o tender, aqui conhecido como “smoked ham”, quatro vezes maior do que aquele que conhecemos no Brasil. Depois de assado durante algumas horas, é servido com abacaxi ou cerejas em compota. Na Jamaica, no entanto, além de haver uma cultura vegana muito forte, há também um grupo que não come porco, para quem serão oferecidas outras opções.

Como acompanhamento, o tradicional “rice and peas” (ou baião de dois) é imprescindível, com a diferença de que no período natalino a iguaria pode ser feita com o “gungo peas”, espécie de feijão de praia fresco, que confere um sabor diferenciado, cozido com leite de coco. Nos supermercados ou nas feiras livres, o “gungo” é comum nessa época do ano. Há, ainda, o fruta-pão frito ou assado, a banana frita e o “festival”, um tipo de bolinho de chuva feito da mistura da farinha de trigo com fubá.

Dezembro também é a estação do “sorrel” ou roselle, uma flor púrpura que se assemelha ao hibiscus, nativa da Índia, conhecida na América Latina como “flor da Jamaica”. A flor dá origem a uma bebida muito popular durante o Natal, que consiste na infusão com especiarias e gengibre, consumida gelada, com adição ou não de rum. Cada família tem a própria receita para preparar o “sorrel”. A cerveja também é muito gostosa, dada a delicadeza do sabor aliada à carbonatação e ao baixo teor alcóolico.

Além do tender, as mesas ainda são compostas por frango assado, bode ou cabra ao curry, prato que pode ser encontrado durante todo o ano nos restaurantes locais, rabada bovina, rosbife, peixes fritos ou ao forno. É uma celebração do que a cozinha jamaicana oferece o ano inteiro trazida para o jantar de véspera de Natal.

Entre as tradicionais sobremesas dessa época está o “fruit cake” ou “jamaican black cake”, um tipo de bolo escuro e super perfumado, pois leva bebida alcoólica em sua elaboração. Seu preparo é bastante complexo e inclui muitos ingredientes para chegar à textura ideal, que deve ser macia e bem molhada, quase como um pudim. É muito comum em alguns países do Caribe.

A cor escura, semelhante a um bolo de chocolate, deriva das frutas secas maceradas no rum ou no vinho, como ameixas, uvas passas, cerejas glaceadas e groselhas, que devem ser colocados de molho com meses de antecedência ou até um ano. O caramelo com vinho tinto também é importante em muitas receitas, que variam de família para família. Geralmente, é preparado dois ou três dias antes da ceia de Natal.

Após a ceia do dia 24, os jamaicanos ainda têm o “breakfast”, o café do dia de Natal, para o qual são levados à mesa pratos tradicionais como o “ackee and saltfish”, um preparo de bacalhau com esse legume muito característico da Jamaica, além de fruta-pão assado, pastéis fritos, frutas e o que sobrou do jantar.

Conversando com uma conhecida jamaicana, ela brincava que, após o jantar e o almoço natalinos, sobra tanto tender que eles comem até a chegada do Ano Novo, em alusão ao que conhecemos no Brasil como o “RO” (restos de ontem).

É muito interessante notar como essa época do ano mobiliza as pessoas para as reuniões em família. As particularidades da tradição natalina dos jamaicanos, no Natal, também nos remetem a pensar sobre as conexões deles com seus pratos, de onde vieram esses hábitos. Independentemente das influências, uma noite de Natal perfeita precisa ter na mesa todas as delícias que fazem parte dessa data tão importante para os cristãos se congratularem com os seus.

Ana Cláudia Leocádio Gioia
Ana Cláudia Leocádio Gioia
Graduada em Cozinha pelo Institut Le Cordon Bleu de Paris, em Gastronomia pelo Iesb-Brasília. Especialista em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e graduada em Jornalismo pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

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