Ana Cláudia Leocádio Gioia
Um dos detalhes que mais me chama a atenção nessa vida de nômade da diplomacia são os códigos e as etiquetas para convidar e receber as pessoas em casa. Vai muito além de somente colocar os comensais à mesa. Como jornalista e cozinheira, o mais interessante é descobrir como tudo isso foi construído ao longo de séculos, nos hábitos alimentares e nas relações sociais.
Acostumados com a casa cheia, em encontros regados com boa comida e bebida, nós amazonenses sempre nos orientamos pela máxima do “é melhor sobrar do que faltar”. Com essas andanças a gente descobre, no entanto, que essas relações vão muito além dessa preocupação.
Uma das lições que aprendi foi sobre os anfitriões se preocuparem com as restrições alimentares dos convidados. É importante conhecer, com antecedência, entre outras restrições, se alguém é alérgico a ingredientes específicos ou possui alguma interdição a alimentos por questões religiosas. Em tempos de crescimento do vegetarianismo e do veganismo, é salutar perguntar antes aos convivas e recebê-los com carinho e respeito.
Alguém pode argumentar: “estou convidando para minha casa, então vai comer o que tiver”. Pode até ser, mas seria de bom tom atender aos gostos daqueles que queremos conosco. Uma saída, se a pessoa não quer ter a delicadeza de perguntar sobre as restrições, é oferecer alternativas neutras, que agradam a todos os paladares e não deixam ninguém com fome e insatisfeito.
Mas há também responsabilidades por parte do convidado. A pontualidade é a principal delas. Por vezes, o anfitrião marca o encontro e alguns comparecem uma hora depois, com demasiado atraso, em indelicadeza sem tamanho. Caso haja algum contratempo, avise que vai atrasar, pois o anfitrião teve todo um planejamento para aquele evento, por mais informal que seja. Em tempos de facilidades tecnológicas, uma simples mensagem basta.
Há, ainda, os que perguntam se “é para levar alguma coisa”. O ideal é nem perguntar: leve sempre algo. Pode ser um chocolate, uma bebida, ou mesmo flores. Convidado para um café, almoço ou jantar em casa alheia, não custa nada comprar um mimo para os anfitriões, por mais próximas que possam ser as relações. E nossa delicadeza não termina com o fim do encontro. É de bom tom, no dia seguinte, telefonar ou enviar uma mensagem agradecendo-os pelo convite e por tudo o que foi vivido naquele momento.
Pode até parecer óbvio, mas não é. Estabelecer relações cordiais é a base da nossa educação e perpassa as sociedades e culturas, em todo o mundo. Há quem possa considerar tudo isso “frescura”, quando nada mais é do que um ato de gentileza reconhecido pelas nações civilizadas. Isto porque me refiro apenas às questões envolvendo a alimentação, em encontros corriqueiros de amigos ou familiares.
Na realidade diplomática, por sua vez, os códigos protocolares são muito mais rígidos: o lugar à mesa reflete a ordem de importância dos comensais ou, como dizemos na diplomacia, a “precedência”. Lembro-me de assistir a um documentário sobre o trabalho do cerimonial no Palácio do Eliseu, a sede e Residência oficial, em Paris, do presidente da França.
Conhecida internacionalmente pela excelência culinária e pela valorização de seus cozinheiros, o cerimonial da casa do Presidente francês é de uma rigidez estonteante. O mandatário dispõe de um chef de cozinha exclusivo, que comanda uma grande equipe responsável tanto pelas refeições do dia a dia quanto pelos grandes banquetes oferecidos aos chefes de Estado em visita ao Hexágono, como também é denominada a França.
Entre os detalhes encontra-se a arrumação da “grande table à manger” do salão. A distância entre os pratos, talheres e taças é medida milimetricamente, com a utilização de uma trena. O menu do almoço/jantar é impresso a cada convidado, com a descrição da ordem dos pratos e dos vinhos ou do champanhe que serão servidos, todos também retirados no devido tempo, em compasso musical.
Tais cenas me chamam a atenção porque toda essa etiqueta que se vê atualmente, bem como a forma que arrumamos nossa mesa para fazer as refeições, remontam a séculos de hábitos de nobres afluentes em reinados da Europa, na maioria das vezes.
Ao visitar alguns museus e castelos, na França, como Chambord e Chenonceau, no Vale do Loire, ou mesmo Versailles, percebemos como, a depender do período da história, os utensílios sobre a mesa foram ganhando novas peças. Os talheres, corriqueiros atualmente, demoraram séculos para serem desenvolvidos.
A faca era, por muito tempo, por exemplo, o único talher utilizado, e cada comensal teria de levar o seu à mesa de jantar. Não havia pratos de porcelana ou cerâmica, o que obrigava as pessoas a colocar os pedaços de carne sobre um pedaço de pão. A barra da toalha de mesa servia como guardanapo. Ao final de um grande jantar no castelo, as toalhas estavam emporcalhadas.
O garfo surgiu bem depois, na Itália, por volta do século XI, mas apenas ganhou o mundo, segundo os historiadores, no século XVI, após Catarina de Médici casar-se com o rei Henrique II, da França, e levar na bagagem o novo utensílio para a corte francesa. À época, tudo o que ocorria naquela corte era copiado pelas demais ao redor.
São descobertas interessantes nas nossas andanças, mesclando experiência e leitura sobre a história dos costumes à mesa, que me ajudaram a melhorar a forma de receber as pessoas e, igualmente, a retribuir o carinho de quem nos convida. Simplicidade e cordialidade são os ingredientes perfeitos para tornarmos nossos encontros inesquecíveis, seja com amigos, seja com familiares.