DA REDAÇÃO
MANAUS – | Ainda não se pode dizer que a pandemia de Covid-19 chegou ao fim, mesmo que o governo federal tenha decretado o encerramento da situação de emergência em saúde, no Brasil. O que sim, se pode dizer, é que a pandemia deixou um rastro de doentes para trás, com sequelas e traumas provocados pela doença, tratamentos invasivos e, principalmente, o pânico e o isolamento social. A saúde mental do brasileiro e de outros cidadãos, em todo o mundo, sofreu um forte impacto.
No último dia 6 de maio, por exemplo, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) criou a Comissão de Alto Nível sobre Saúde Mental e Covid-19, para desenvolver diretrizes e recomendações para reduzir o sofrimento e o impacto gerado na saúde mental da população das Américas. O trabalho da comissão será voltado para a recuperação da pandemia e promoção da saúde mental, como prioridade, seguindo-se, também, outros quatro focos, todos eles voltados para a cobertura universal, financiamentos, prevenções e de promoção de condições de saúde.
De acordo com a gerente da Rede de Atenção Psicossocial da Secretaria de Estado da Saúde, Luciana Lopes, no período da pandemia mais intensa e no pós, observou-se o aumento de transtornos de ansiedade, fobias, depressão e, também, quadros de melancolia.
Na avaliação da gerente, esses quadros podem ser derivados de lutos não vivenciados – no caso das pessoas que perderam seus parentes e não tiveram a oportunidade de cumprir o ritual de despedida, uma vez que as medidas sanitárias impediam cerimônias de velório e enterro, como é tradicional. Outros problemas envolvidos são a dificuldade na aprendizagem e na socialização das crianças, em especial no período pré-escolar.
Para enfrentar esse quadro crescente, o Estado mantém programas de prevenção, tratamento e acompanhamento de saúde mental, que acompanham a Política Nacional de Saúde Mental. “É uma rede que envolve desde a Atenção Primária em Saúde (APS) até serviços de maior complexidade, que já se organizavam dessa forma mesmo antes da pandemia”, destaca Luciana Lopes.
No entanto, ela também destaca que a pandemia apresentou possibilidades de novas estratégias de cuidado. Uma dessas estratégias foi o cuidado remoto com a escuta psicológica emergencial, mantida após o período pandêmico. Trata-se de um plantão psicológico para acolhimento do sofrimento psíquico. “O objetivo é oferecer apoio emocional à população e aos trabalhadores de saúde”, explica.
Em mais de um ano e quatro meses de atividade, esse serviço já atendeu mais de 15,8 mil pessoas entre profissionais de saúde e população em geral, segundo dados da SES. O serviço é ofertado de segunda a domingo, das 7h às 20h, de forma gratuita e sigilosa. Os pacientes podem fazer até três consultas por cadastro. O serviço conta com 14 psicólogos e, além do Amazonas, atende pessoas de outros 17 estados.
O acesso ocorre pelo endereço: http://chatbot.saude.am.gov.br. Ao acessar, a pessoa deve selecionar a opção 2 – Atendimento psicológico. Para pessoas sem acesso à internet, com dificuldades no uso de tecnologias o atendimento se dá através do número (92) 99258 1056.
Buscando ajuda – O acolhimento via teleconsulta é uma das portas de entrada de pacientes para o tratamento da saúde mental. Em geral, essa busca é voluntária e, de acordo com Luciana Lopes, todos os profissionais de saúde devem estar aptos a ofertar uma escuta acolhedora e reconhecer aspectos que envolvam algum sofrimento psíquico. Daí, para o tratamento, depende de avaliações mais específicas, que vão determinar os níveis de complexidade e o tratamento adequado.
Mas, muito além do acompanhamento clínico, é necessário envolver o paciente em outros tipos de atividades como culturais, de esporte e de lazer, consideradas fundamentais para a estruturação da melhoria da saúde mental dos pacientes e também na retomada do convívio social. “É importante enfatizar que a interdisciplinaridade faz parte do processo de reabilitação”, afirma a gerente.
A saúde mental no mundo – Durante o lançamento da comissão de alto nível, a diretora da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), Carissa F. Etienne, afirmou que é necessário abordar fraquezas de longa data existentes nos serviços de saúde mental e fortalecê-los para o futuro. “Agora é a hora de construir uma saúde mental melhor nas Américas”, enfatizou.
Já a presidente da comissão, Epsy Campbell Barr, vice-presidente da Costa Rica, ponderou que a saúde mental e o bem-estar de milhões de pessoas, especialmente das mulheres, foram “gravemente afetados” pela pandemia, os lockdowns, fechamento de escolas, teletrabalho e cuidado dos membros da família. Campbell Barr pediu uma “abordagem urgente da saúde mental” e a “tomada de medidas para prevenir e responder à violência doméstica, incluindo serviços de saúde mental para as sobreviventes”.
A pandemia de Covid-19 teve efeitos devastadores e é esperado que muitos deles sejam de longo prazo. Um dossiê científico publicado pela OMS destacou que a prevalência global de ansiedade e depressão aumentou 25% no primeiro ano da pandemia.
A OPAS também analisou a região e concluiu que um terço das pessoas que sofreram com a Covid-19 foram diagnosticadas com um transtorno neurológico ou mental, enquanto outro estudo realizado com o apoio da Organização (The Covid-19 Health Care Workers Study), mostrou que, em 2020, entre 14,7% e 22% dos profissionais de saúde apresentavam sintomas que levavam à suspeita de depressão.