No Amazonas, a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (UNIJAVA), entidade civil de direitos privados, sem fins lucrativos ou partidários, considera a fixação do Projeto de Lei 490/07, que trata do marco temporal para demarcação de terras indígenas, uma ameaça para a homologação dessas áreas.
Em nota divulgada dias antes da aprovação do texto-base na Câmara, confirmada na última terça-feira (30), a UNIJAVA reiterou que a associação considera o marco temporal inconstitucional, por entender que ele “visa confinar a nossa história de séculos em menos de três décadas, com o único e exclusivo fim de sabotar o direito dos povos originários em seus territórios”. Veja a nota na íntegra:
Para Beto Marubo, membro da associação, “a aprovação do texto-base do PL 490 só demonstra os rumos que os ruralistas e afins querem dar ao futuro do Brasil: a morte de mais parentes e o roubo de terras públicas, destinadas à destruição ambiental e cultural dos povos indígenas”, disse Beto.
O indígena considera o texto uma “anomalia” que vai de encontro às políticas de proteção já estabelecidas em prol dos povos nativos.
“A tese do marco temporal não leva em consideração todo o histórico de violência que os povos indígenas sofreram no Brasil. A perseguição realizada pelo Estado e por ruralistas fez com que diversos povos originários abandonassem suas terras, temendo por suas vidas”, aponta Beto Marubo.
Com sede e foro na cidade de Atalaia do Norte, no interior do Amazonas, a UNIJAVA tem como finalidade promover a articulação de 16 grupos isolados no Vale do Javari, para a defesa de seus direitos.
Entenda o que diz o PL 490/07
O texto-base do Projeto de Lei 490/07, aprovado pela Câmara dos Deputados nesta semana, com 283 votos a favor e 155 contra, segue agora para análise do Senado.
Conforme descrito no texto, caso seja aprovado, os povos indígenas e tradicionais terão direito somente às terras que ocuparam até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. A exceção é quando houver um conflito efetivo sobre a posse da terra em discussão, com circunstâncias de fato ou “controvérsia possessória judicializada”, no passado e que persistisse até 5 de outubro de 1988.
O projeto de lei, aprovado pelos deputados federais, traz ainda outras normas. Veja os principais pontos do Projeto:
• Fica vedada a ampliação da terra indígena já demarcada;
• prevê a possibilidade de retomada da terra indígena pela União ou de destinação ao Programa Nacional de Reforma Agrária se houver “alteração dos traços culturais da comunidade ou por outros fatores ocasionados pelo decurso do tempo”;
• pode haver atividades econômicas em terras indígenas, desde que pela própria comunidade, admitida a cooperação e contratação de terceiros não indígenas;
• o usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da política de defesa e soberania nacional. Pelo texto, a instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico serão implementados independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou ao órgão indigenista federal competente;
• fica assegurada a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal em área indígena, no âmbito de suas atribuições, independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou ao órgão indigenista federal competente;
• ao Poder Público é permitida a instalação em terras indígenas de equipamentos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além das construções necessárias à prestação de serviços públicos, especialmente os de saúde e educação;
• fica vedada a cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza ou troca pela utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço do público em terras indígenas.
O relator do PL, deputado Arthur Oliveira Maia, justificou que o projeto vai garantir segurança jurídica para os proprietários rurais, inclusive para os pequenos agricultores.
Consequências do marco temporal
Uma das consequências que têm sido debatidas, caso o PL seja aprovado, é o fato de que novas demarcações de terra no Brasil serão muito difíceis. Desta forma, o PL colocou os povos indígenas de um lado e os ruralistas e agricultores de outro.
Além disso, muitos dos povos indígenas que tiveram terras demarcadas poderão perdê-las se ações forem iniciadas na Justiça e eles não conseguirem provar que ocupavam seu território em 1988.
Outro argumento utilizado contra o marco é o que afirma que o avanço indiscriminado de agricultores e ruralistas pelo país contribui diretamente para o desmatamento e, consequentemente, para o desequilíbrio ambiental.
Por fim, segundo os próprios indígenas e entidades de apoio à causa, a tese do marco temporal vai contra a própria Constituição Federal, sendo, portanto uma medida inconstitucional.
Supremo
A Corte do Supremo Tribunal Federal (STF) já adiou por sete vezes esse julgamento. A última vez ocorreu em junho de 2022. Desta vez, em sessão marcada para o dia 7 de junho, o STF pode votar uma ação sobre o tema, definindo se a promulgação da Constituição pode servir como marco temporal para essa finalidade.
Se a proposta passar pelo Senado e for sancionada pelo presidente Lula, se torna lei após publicação no “Diário Oficial da União”.
No entanto, se o STF tiver um entendimento oposto à aplicação do marco temporal na ação em análise, existe abertura para que a possível lei também seja questionada junto à Corte. Se provocado, o Supremo pode analisar se o texto é constitucional ou não.