DA REDAÇÃO
MANAUS – |”Comecei a sentir muitas dores, nos ombros, pescoço e braços. Procurei ortopedistas, neurologista e todos os ‘istas’ possíveis. Fiz muitos e muitos exames, de imagens, laboratoriais e tudo. Mas apesar da dor ser real, aparentemente não havia motivos”, relata a enfermeira Alice Pereira, 35, sobre os sintomas que passou a apresentar e que nenhum médico encontrava o diagnóstico. “Houve um tempo em que as dores eram tão incapacitantes que eu tive que me afastar do trabalho e isso pesou muito para mim, porque eu estava deixando de fazer algo que amava”, reflete.
Alice é uma das pessoas que sofre de um mal que acomete 2,5% da população mundial sem diferenças entre nacionalidades ou condições socioeconômicas. A incidência no Brasil é de 8,7 a cada 100 mil habitantes, embora não se possa ter total clareza sobre esses números simplesmente por falta de diagnóstico e notificação. Geralmente, afeta mais mulheres do que homens e aparece entre 30 a 50 anos de idade, embora existam pacientes mais jovens e mais velhos.
Trata-se da Fibromialgia ou, simplesmente, FM. Uma condição que se caracteriza por dor muscular generalizada e crônica, mas que não apresenta evidência de inflamação e é acompanhada de sintomas típicos, como sono não reparador e cansaço. Com frequência também é acompanhada por distúrbios do humor, como ansiedade e depressão, e muitos pacientes queixam-se de alterações da concentração e de memória.
“O diagnóstico é desafiador”, revela a reumatologista Maria do Socorro Albuquerque, especialista pela Sociedade Brasileira de Reumatologia. “É um diagnóstico eminentemente clínico e diferencial, porque geralmente têm outras comorbidades associadas como depressão, ansiedade, síndrome da fadiga crônica, alterações hormonais, alterações degenerativas entre outras, que requerem tratamento específico”, destaca.
Alice conviveu com as várias fases da FM e, antes de chegar a um diagnóstico, mesmo com toda a sua experiência na área da saúde, achava que seu problema era exclusivamente emocional e psicológico. “Então, encontrei um ortopedista que falou comigo pela primeira vez sobre a possibilidade de ser Fibromialgia. E achei estranho o tratamento farmacológico, que envolvia antidepressivo e eu me perguntava: por que? Então descobri os antidepressivos que atuam exatamente controlando dores crônicas”, conta.
Para Socorro Albuquerque, que atende casos de Fibromialgia, o tratamento deve ser individualizado, com uso de medicamentos e de exercícios aeróbicos, de acordo com a capacidade física de cada paciente, com programas de alongamento e fortalecimento muscular feito por profissionais habilitados e suporte psicoterápico.
“Até o momento, não existem tratamentos que sejam considerados muito eficazes, por isso ele requer uma abordagem multidisciplinar, envolvendo médicos de várias especialidades – psicólogo, fisioterapeutas, assistente social, educador físico – e, claro, apoio dos familiares e amigos. A eficácia do tratamento depende muito de que o paciente siga todas as orientações”, afirma a médica.
Alice sabe da importância desse tratamento, mas confessa que tem dificuldade em fazer tudo o que é pedido. “Desde o começo, todos os profissionais e pesquisas que eu fazia, diziam que a mudança tinha que ser de hábito, que o tratamento envolve movimento, atividade física e alimentação saudável. Mas como se movimentar se até o peso da roupa dói? Não foi fácil e até hoje não é. E acredito que não haverá 100%, mas adotar a rotina de alongamentos, de mudanças de hábitos alimentares e de sono, faz toda a diferença”, acredita.
“Os hábitos devem ser os mais saudáveis possíveis – e isso deveria se aplicar para todos, não somente para quem tem FM – com alimentação equilibrada, manter peso, atividade física regular, sono reparador e manter uma rotina com pouco estresse”, relaciona a especialista, frisando que isso é no mundo ideal, ao mesmo tempo em que sustenta que é isso que deve ser buscado pelo paciente.
Para Alice, há dias bons e dias ruins. Dias em que acha que está curada e outros em que sente que não é assim. “Tem dias que levantar é mais difícil. Tem dia que um abraço de quem a gente mais ama dói demais e essa sensação é horrível”, diz ela. “Tem dias que penso que acabou, não sinto dores. Aí, basta um toque em alguma área para lembrar que ela está lá”, diz.
Atendimento – Há um outro aspecto da Fibromialgia que dói, e é no bolso. Como uma doença de difícil diagnóstico e multidisciplinar, com participação de vários especialistas, a maioria das vezes o atendimento é feito com médicos particulares, correndo por conta do próprio paciente e familiares.
A Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (SES-AM) faz o atendimento dos pacientes diagnosticados com Fibromialgia por meio do Sistema Nacional de Regulação (Sisreg). O paciente deve ser encaminhado por uma Unidade Básica de Saúde (UBS), onde é feita a triagem junto à equipe médica e feito o encaminhamento.
Na fase inicial de assistência nas unidades especializadas é realizado atendimento psicoterápico com o usuário e seu responsável. Além disso, o paciente também recebe atendimento com fonoaudióloga e é acompanhado pelo Serviço Social.
Por ser uma doença que não é de notificação compulsória, a secretaria não possui dados consolidados de casos registrados no Amazonas.
Saiba mais sobre a Fibromialgia:
CAUSAS – Ainda não totalmente esclarecida, mas a principal hipótese é que pacientes com FM apresentam uma alteração da percepção da sensação de dor. Isso é apoiado por estudos em que visualizam o cérebro destes pacientes em funcionamento. E, também, porque pacientes com FM apresentam outras evidências de sensibilidade do corpo, como no intestino ou na bexiga. Alguns pacientes com FM desenvolvem a condição após um gatilho, como uma dor localizada mal tratada, um trauma físico ou uma doença grave. O sono alterado, os problemas de humor e concentração parecem ser causados pela dor crônica, e não ao contrário.
DIAGNÓSTICO – O diagnóstico de FM é eminentemente clínico, com a história, exame físico e exames laboratoriais auxiliando a afastar outras condições que podem causar sintomas semelhantes. Não há alteração dos exames que indicam inflamação, como a velocidade de hemossedimentação (VHS) e a proteína C reativa. Exames de imagem devem ser interpretados com muito cuidado, pois nem sempre os achados da radiologia são a causa da dor do paciente. A FM pode aparecer em pacientes que apresentam outras doenças reumáticas, como artrite reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico, e muitas vezes dificulta uma completa melhora destes pacientes.
TRATAMENTO – A meta no tratamento da FM é aliviar os sintomas com melhora na qualidade de vida. A FM não traz deformidades ou sequelas nas articulações e músculos, mas os pacientes apresentam uma má qualidade de vida, portanto, os cuidados do paciente consigo mesmo são mais importantes do que as medicações, embora estas também tenham seu papel.
O principal tratamento da fibromialgia é o exercício aeróbico, aquele que mexe o corpo todo e acelera os batimentos cardíacos. Esta parece ser a melhor maneira de reverter a sensibilidade aumentada à dor na FM. Além disso, é importante entender sobre a doença (educação) e alguns casos a terapia psicológica pode ser útil, principalmente para aprender a lidar com a dor crônica no dia a dia.
As medicações são úteis para diminuir a dor, melhorar o sono e a disposição do paciente com Fibromialgia, para permitir a prática de exercícios físicos.
Com informação da Sociedade Brasileira de Reumatologia