Ana Cláudia Leocádio Gioia
Aproveitando que estamos no mês da Proclamação da República, dia 15 de novembro, gostaria de abordar a importância da boa mesa nas relações de poder e, como um baile, seis dias antes do fim da monarquia, foi o último festim do império de Dom Pedro II no Brasil.
Segundo os historiadores, Dom Pedro II (1825-1891) não era muito afeito a bailes e gastos desnecessários, uma vez que as contas do reino viviam em penúria. O imperador gostava, muito menos, de comidas sofisticadas ou banquetes. Seu prato preferido era, simplesmente, uma boa canja de galinha, prato, na época, bem caro. Isso o bastava e era iguaria obrigatória em suas refeições.
A ironia da vida foi que seu adeus ao reinado ocorreu, mesmo sem saber, num grande baile promovido pelo então Visconde de Ouro Preto, para homenagear os oficiais do navio chileno Almirante Cochrane, que estava ancorado no porto do Rio de Janeiro, naquele dia 9 de novembro de 1889. Conhecido como o Baile da Ilha Fiscal, foi o segundo banquete financiado pelo império. Seis dias depois da suntuosa festa, a República viria a ser instaurada no país.
O site “Aventuras da História” elenca em um de seus textos os pratos servidos na memorável noite, com a grande novidade das sobremesas: o sorvete. Além dos 18 pavões, serviram também 80 perus, 300 galinhas, 350 frangos, 30 fiambres, 10 mil sanduíches, 18 mil frituras, mil peças de caça, 50 peixes, 100 línguas, 50 maioneses, 25 cabeças de porco recheadas e mais de 500 pratos repletos de doces variados. Sem falar nos vinhos, cervejas e champanhes.
Essa aversão a banquetes levanta, até hoje, muitas teorias acerca da sobrevivência da monarquia. Quem sabe ela não teria sido mais longeva, caso o imperador movimentasse a vida na corte com banquetes e festins, tal como ocorria na Europa em outros reinados? Dada a situação política e econômica do Brasil, à época, com a Abolição da Escravidão e as consequências do fim da Guerra do Paraguai, a República já estava batendo às portas do Brasil, há algum tempo.
Assim como Dom Pedro II, o imperador da França, Napoleão Bonaparte (1769-1821), também não era adepto dessas reuniões gastronômicas com grande número de pessoas. Geralmente, são lugares ideais para as negociações políticas, mas ao contrário do monarca brasileiro, o francês delegou a um importante diplomata o papel de seu articulador.
Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord (1754-1838), ou apenas Talleyrand, segundo os livros de História da França, possuía habilidade na diplomacia nata, tendo inaugurado a cozinha diplomática, quando costumava dizer que precisava mais de cozinheiros que de diplomatas. Ocupou, em quatro ocasiões diferentes, o cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros, indo da Revolução Francesa à restauração da monarquia, após o reinado de Napoleão.
O governo francês chegou a comprar o castelo de Valençay, no Vale do Loire, para funcionar como lugar de recepção aos grandes encontros gastronômicos promovidos pelo seu ministro, onde se costumava dizer que era “onde se discutia a Europa”. Esses festins gastronômicos contaram com o trabalho do rei dos chefs da cozinha francesa, Antonin Carême, que codificara as receitas e publicou, em 1828, uma das obras mais importantes para os cozinheiros até os dias atuais: “L’Art de la cuisine française au XIXe siècle” (A arte da cozinha francesa no século 19, em tradução livre). Dá para imaginar a magnitude da mesa diplomática dessa época.
No Brasil contemporâneo, o único registro de presidente que dispôs de uma chef para liderar a cozinha do Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente, em Brasília, foi Fernando Henrique Cardoso, que governou o país de 1995 a 2002. A escolhida foi a gaúcha Roberta Sudbrack, que chegou a lançar, sobre esta experiência, o livro ‘Uma Chef, um Palácio” (Editora DBA, 2001).
De acordo com um artigo da Folha de S. Paulo, de abril de 2001, a chef rompeu a tradição de que somente militares poderiam preparar as refeições do chefe do Executivo brasileiro. Depois, não se teve mais notícia sobre a contratação de um chef de cozinha para preparar os almoços e jantares oferecidos pelo presidente aos seus convidados no Palácio. Sabe-se que, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), fez-se muita opção pelo serviço de buffets de Brasília.
Na França, é obrigatória a nomeação de um chef de cozinha para o Palácio do Eliseu, residência do presidente em Paris, responsável por colocar à mesa dos comensais o que há de melhor na tradição gastronômica do Hexágono, como é conhecido o país. O último chef, Guillaume Gomez, por exemplo, saiu da cozinha do Eliseu para tornar-se o embaixador da Gastronomia Francesa pelo mundo. Não custaria nada, quem sabe nesse terceiro mandato, Lula olhar com mais carinho e atenção ao que servirá à mesa do poder, no Alvorada.
Como se vê, a gastronomia pode ser importante aliada no jogo de poder dos governantes. Saber lançar mão dessas minúcias, ao elaborar um cardápio, pode desempenhar um papel crucial numa discussão ou negociação política.